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Papa: «Não é boa coisa um bispo, um sacerdote, um catequista mumificado!»
05.09.2019
O dia público de visita apostólica a Moçambique terminou com o encontro com os bispos, os sacerdotes, religiosos e religiosas, consagrados e seminaristas, catequistas e animadores, na Catedral da Imaculada Conceição, em Maputo.
Nas intervenções e perguntas de um bispo, um sacerdote, uma religiosa e uma catequista, houve quem lembrasse a dificuldade que a Igreja moçambicana tem tido em inculturar-se; outro falou do fundamentalismo religioso que atinge os casamentos mistos, por exemplo. Depois, o Papa pediu «generosidade e solicitude» como a de Maria para enfrentar as dificuldades da atualidade. «Os tempos mudam. Muitas vezes não sabemos como inserir-nos no nosso tempo. Podemos sonhar com as cebolas do Egito esquecendo-nos de que a esperança está à frente e não atrás. Vamos petrificando, vamos mumificando. Não é boa coisa um bispo, um sacerdote, um catequista mumificado! Em vez de professar uma boa nova, o que comunicamos é algo cinzento que não atrai. É uma tentação!»



À pergunta de um sacerdote sobre a crise da identidade sacerdotal, o Santo Padre quis deixar uma receita que fez questão de dizer ser para todos: «Talvez tenhamos de sair dos lugares importantes e solenes. Temos de voltar aos lugares onde fomos chamados, onde era evidente que a chamada e a iniciativa era de Deus.» Defendendo que «ninguém de nós foi chamado a um lugar importante», o Papa constata que, «às vezes, sem culpa moral habituamo-nos a identificar a nossa atividade quotidiana com certos ritos, com reuniões e colóquios onde o lugar que ocupamos é de hierarquia. Parecemo-nos mais com Zacarias que com Maria. Creio não exagerar se disser que o sacerdote é uma pessoa muito pequena. A grandeza incomensurável do dom que nos é dado para o ministério relega-nos para o menor dos homens. O sacerdote é o mais pobre dos homens».

Sobre os casamentos mistos em que o fundamentalismo obriga os católicos a converterem-se a outra religião, Francisco lamentou que haja «a tentação de separar em vez de unir» e pediu que todos ouçam o que o Espírito Santo tem a dizer sobre as soluções para este e outros problemas. O Papa solicitou «a paz e a reconciliação» como dom de Deus para Moçambique.

Eusébio como exemplo de determinação
E Paz foi a palavra central no encontro do Papa com as autoridades, o corpo diplomático e a sociedade civil. No Palácio da Ponta Vermelha, em Maputo, Francisco começou por deixar «palavras de proximidade e solidariedade» aos que sofreram com os ciclones Idai e Kenneth. «Infelizmente, não poderei ir pessoalmente até junto de vós, mas quero que saibais que partilho a vossa angústia, sofrimento e também o compromisso da comunidade católica para fazer frente a tão dura situação. No meio da catástrofe e da desolação, peço à Providência que não falte a solicitude de todos os atores civis e sociais que, pondo a pessoa no centro, sejam capazes de promover a necessária reconstrução», disse. O Papa quis reconhecer o esforço que o país tem feito «para que a paz volte a ser a norma, e a reconciliação o melhor caminho para enfrentar as dificuldades e desafios que tendes como nação». Lembrando o acordo recentemente assinado, Francisco salientou a «esperança» e «confiança» em que haja «a capacidade de se reconhecerem como irmãos, filhos de uma mesma terra, administradores de um destino comum». Aos moçambicanos, o Papa pediu a «coragem» e a «determinação» de continuar a lutar pela paz, sem «fanatismo» nem «exaltação».



Mas Francisco quis falar de outro tipo de guerra. «Como sabemos, a paz não é apenas ausência de guerra, mas o empenho incansável – especialmente daqueles que ocupamos um cargo de maior responsabilidade – de reconhecer, garantir e reconstruir concretamente a dignidade, tantas vezes esquecida ou ignorada, de irmãos nossos, para que possam sentir-se os principais protagonistas do destino da própria nação.» Reconhecendo que a paz possibilitou desenvolvimento do país, o Papa pediu: «Encorajo-vos a prosseguir no trabalho de consolidar as estruturas e instituições necessárias para permitir que ninguém se sinta abandonado, especialmente os vossos jovens, que formam grande parte da população. […] Não cesseis os esforços enquanto houver crianças e adolescentes sem educação, famílias sem teto, trabalhadores sem trabalho, camponeses sem terra... Tais são as bases de um futuro de esperança, porque futuro de dignidade! Tais são as armas da paz.»

No discurso aos principais responsáveis de Moçambique, o Papa quis alertar para o cuidado da «nossa Casa Comum».
A manhã do primeiro dia em Moçambique terminou com um encontro inter-religioso com jovens, no pavilhão Maxaquene. Depois de assistir a um espetáculo e cânticos sobre paz e reconcilicação, o Papa enalteceu o papel dos jovens, dizendo-lhes várias vezes: «Vós sois o presente de Moçambique. Que seria desta terra sem os seus jovens? Ver-vos cantar, sorrir, cantar, no meio das dificuldades que viveis é o melhor sinal de que vós, jovens, sois a alegria deste país hoje. […] Que há de mais importante do que encontrar-me convosco. Vós sois importantes!»



Interpelou diretamente os jovens em diferentes momentos, pedindo-lhes que respondessem se estão disponíveis para a reconciliação, por exemplo. Perante centenas de jovens, de várias religiões, Francisco apelou para que não percam essa alegria. «Como contribuir para resolver os problemas do país? Não deixeis que vos roubem a alegria. Não deixeis que vos roubem a alegria! Que não vos roubem a alegria!» O Santo Padre alertou ainda para a importância de sonhar e alertou para as «duas atitudes que matam os sonhos e a esperança. Quais são? A resignação e a ansiedade são grandes inimigas de vida porque normalmente impelem-nos por um caminho fácil, mas de derrota e a portagem que pedem para passar é muito cara! Paga-se com a própria felicidade! Até com a própria vida!»

O Papa lembrou até Eusébio, o Pantera Negra: «Quando tudo parece estar parado e os problemas pessoais nos preocupam, não é bom dar-se por vencido. […] Sei que a maioria de vós gosta muito de futebol. Recordo um grande jogador destas terras que optou por não se resignar Eusébio, a Pantera Negra. […] A sua paixão pelo futebol fê-lo sonhar, avançar. Não faltavam razões para se resignar e não se resignou. O seu sonho e vontade de jogar lançaram-no para diante.»
 
Texto: Cláudia Sebastião
Fotos: Vactican News

 
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