No seguimento das conclusões da cimeira de fevereiro no Vaticano sobre os abusos sexuais cometidos por membros do clero, o Papa Francisco publicou um
Motu Proprio no qual explicita o procedimento a fazer por parte das dioceses para lidarem com estas situações e impõe que, até 2020, cada diocese tenha a funcionar uma instância, de forma isolada ou em conjunto com outras dioceses, que trate destes casos.

Desde logo, o Papa afirma que estas medidas visam «concorrer para fomentar a plena credibilidade do anúncio evangélico e a eficácia da missão da Igreja» que ficou fortemente abalada pelos escândalos que têm surgido nos últimos anos.
Neste sentido, o Papa quer que «as Dioceses ou as Eparquias [organizações administrativas nas igrejas orientais], individualmente ou em conjunto, devem estabelecer, dentro de um ano a partir da entrada em vigor destas normas, um ou mais sistemas estáveis e facilmente acessíveis ao público para apresentar as assinalações, inclusive através da instituição duma peculiar repartição eclesiástica». Assim, todas as dioceses ficam obrigadas a formar estes gabinetes, de forma isolada ou em conjunto. No caso de Portugal, os bispos portugueses tinham decidido, na última Assembleia Plenária da Conferênca Episcopal Portuguesa (CEP) criar «instâncias de prevenção e acompanhamento em ordem à proteção de menores nas suas Dioceses e a atualizar as diretrizes aprovadas pela Conferência Episcopal em 2012, tendo em conta as orientações da Santa Sé», que entretanto foram recebidas pelos bispos.
Alguns bispos portugueses tinham manifestado intenção de não avançar com a criação de gabinetes, mas desconhecem-se agora reações a este novo documento do Papa.
Outra das novidades do documento é a responsabilização dos bispos e de todos aqueles que optem por encobrir as situações de abusos que conheçam. O artigo 1º fala não apenas de quem cometa atos para com «menores» ou «pessoal vulneráveis», mas também de quem cometa «ações ou omissões tendentes a interferir ou contornar as investigações civis ou as investigações canónicas, administrativas ou criminais, contra um clérigo ou um religioso», sendo que ambos devem ser denunciados de forma obrigatória à instância canónica acima do cargo que ocupe essa pessoa.
Continua sem haver neste documento qualquer tipo de obrigação de denúncia destas acusações às autoridades civis. Não há uma justificação oficial, embora muitos considerem que tal possa ser para proteger os denunciantes em determinados países, e a única indicação que surge era o que já existia: «estas normas aplicam-se sem prejuízo dos direitos e obrigações estabelecidos em cada local pelas leis estatais, particularmente aquelas relativas a eventuais obrigações de assinalação às autoridades civis competentes», pode ler-se no artigo 19º. No caso português, a lei não obriga a essa denúncia.
Estas normas, que foram aprovadas à experiência por um triénio, entram em vigor de imediato.
Texto: Ricardo Perna
Foto: Lusa
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