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Parlamento dividido sobre eutanásia
29.05.2018
O debate sobre a legalização da eutanásia fez-se hoje no parlamento. Ficou evidente a divisão dos deputados. As contas sobre aprovação são muito difíceis de fazer e só mesmo no momento de cada deputado votar se perceberá se a legalização da eutanásia avança. Quem é a favor fala de «compaixão com quem sofre», ajudando a respeitar a sua vontade de morrer. Quem é contra alerta para os riscos da rampa deslizante, e de se alargar a eutanásia além do que está previsto.



Sem surpresa, as intervenções do PS, PEV e PAN foram a favor. A bancada do PSD dividiu-se, com grande parte a aplaudir a intervenção contra os projectos de lei de Isabel Galriça Neto, do CDS. Fernando Negrão, líder parlamentar, disse que «esta é uma matéria de consciência de todos e de cada um dos portugueses». O deputado afirma, mesmo assim, que a maioria da bancada votará contra a despenalização da eutanásia «nestas circunstâncias». Fernando Negrão lamentou que se discuta «limitar a vida» em séculos. O líder parlamentar defendeu que faltou debate e os partidos não mostraram o que defendiam nos programas eleitorais. «Podemos dizer que achamos que o eleitorado do PSD é maioritariamente contra a eutanásia. Que os eleitores do Bloco de Esquerda são a favor. Mas a verdade é que ninguém sabe, de facto. À exceção do PAN, nenhum outro partido pode dizer saber o que os eleitores defendem», afirmou. Fernando Negrão defende que é preciso apostar em melhores cuidados de saúde e enumerou as falhas nos cuidados paliativos.

André Silva, do Partido Pessoas Animais Natureza, foi o primeiro a falar. O deputado defende a legalização da eutanásia como «ato de pura bondade». André Silva salienta que «despenalizar a morte medicamente assistida é defender um direito humano fundamental que está por cumprir, é reconhecer a última liberdade individual e poder ser ajudado no momento mais difícil da sua vida».
José Manuel Pureza apresentou o projecto de lei do Bloco de Esquerda. O deputado bloquista defende que o texto é uma proposta «equilibrada, responsável» e compromete-se em acompanhar a aplicação caso a legalização da eutanásia avence. «Que se respeite a antecipação da morte e que se regule com rigor as condições em que essa possibilidade tenha lugar», afirmou.

Antónia Almeida Santos, PS.
Antónia Almeida Santos, do PS, garantiu que a proposta socialista garante que «a eutanásia não será praticada se o doente não estiver consciente e esclarecido, se o parecer do médico for desfavorável, se o parecer do médico especialista for desfavorável. A eutanásia não será praticada se, perante testemunhas, a pessoa não reiterar a sua vontade». A deputada socialista afirma que «este assunto é incontornável. Há anos que é incontornável». Rufina Berardo, do PSD, questionou a socialista: «Explique-nos porque os representantes dos médicos estão contra? Considera que a doença retira dignidade ao ser humano? Afinal qual é o momento exato em que o ser humano perde a dignidade e tem o direito a ser eutanasiado?» Na resposta, Antónia Almeida Santos defendeu que as posições dos antigos bastonários e do actual bastonário da Ordem dos Médicos são pessoais e não representam os profissionais de saúde todos. «O que nós hoje estamos a discutir é se uma pessoa consciente, consciente repito, pode decidir pela antecipação da sua morte para aliviar o seu sofrimento. O que está aqui em causa é dar autonomia ao doente. É sempre em estado de consciência. Hoje os profissionais de saúde já podem decidir sobre a vida dos doentes. Dêmos esse direito aos doentes.»

Heloísa Apolónia, PEV.

A apresentar o projeto de lei do Partido Ecologista Os Verdes (PEV), Heloísa Apolónia admite que a despenalização da eutanásia não é «fácil, objectiva» e «mexe com valores enraizados», Mesmo assim, salienta que a despenalização da eutanásia só acontecerá «em condições extremas e em condições bem definidas». No caso do projeto de lei do PEV, tem de existir «lesão incapacitante ou incurável» e que permitem «não impor a obrigação de viver». Para Heloísa Apolónia, «não é a despenalização da morte medicamente assistida que vai tirar um cêntimo aos cuidados paliativos».

Isabel Galriça Neto defende que a eutanásia «não confere dignidade nem à vida nem à morte». A deputada do CDS admite que «o sofrimento destrutivo em fim de vida não é aceitável». Mas isso não justifica tudo: «Os bons fins nunca justificam os meios», afirmou. A deputada centrista questionou ainda a noção de autonomia e liberdade associada à eutanásia: «estarão envolvidos terceiros que irão decidir sobre o pedido. Que liberdade é essa que exige aval de terceiros?»
Isabel Galriça Neto, CDS.
O PCP, que votará contra, defendeu que a eutanásia «é uma opção política legislativa do Estado com profundas consequências sociais». António Filipe afirma que «ninguém vive nem morre sozinho. Que alguém pretenda antecipar o fim da sua vida porque não tem assegurados os cuidados de saúde sem sofrimento, ou porque não lhe é garantido o necessário apoio na falta de apoio familiar só merece compreensão, solidariedade e alternativas. Mas o mesmo Estado que não lhe dá essas alternativas, lhe permite acabar com a vida». O deputado comunista defendeu que todas as vidas são dignas, mesmo quando a pessoa não está em «plena posse das suas faculdades mentais e físicas». António Filipe critica que «o mesmo Estado que não garante condições para eliminar sofrimento em vida passa a dar condições para eliminar sofrimento na morte». Recorrendo aos dados de países em que a eutanásia já é legal em determinadas circunstâncias, o deputado disse que «tudo parece muito rigoroso, mas o capitalismo torna tudo mais fácil» e defendeu que a rampa deslizante existe mesmo.
A quem critica o PCP de se opor à despenalização da eutanásia, tendo defendido a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, António Filipe disse que «no caso da IVG havia mulheres condenadas por terem abortado (IVG). Havia milhares de mulheres que recorriam ao aborto clandestino. E o PCP agiu, sempre em defesa da vida e da dignidade das mulheres. Nada parecido com isto está em causa. A eutanásia não constava dos programas eleitorais de 2015».
 
Reportagem: Cláudia Sebastião
Fotos: Ricardo Perna
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