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Pe. Miguel Cabral partilha testemunho pessoal de covid
23.06.2021
Como é estar doente por covid? Como se vive a fé? O Pe. Miguel Cabral passou por isso e partilha A experiência do limite humano – testemunho pessoal em tempo de Covid em livro. No prefácio, a médica Isabel Galriça Neto fala desta obra como «texto-viagem-partilha» e é isso que se lê ao longo dos quatro capítulos: A minha história clínica; A experiência da vulnerabilidade; A importância dos outros, da família e da amizade na doença; A perspetiva iluminadora da fé no sofrimento. Um livro escrito «à luz de uma experiência pessoal intensa de doença que procurei vivenciar na fé que me proponho fazer um aprofundamento mais teórico de algumas dimensões da doença e do final da vida».

Foto: Opus Dei.

Miguel Cabral foi ordenado presbítero em 2010 e é licenciado em Medicina e em Teologia Moral e doutorado em bioética. É ainda membro da Comissão de Ética do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central. Como padre, exerce o ministério sacerdotal no Oratório de São Josemaria e no Colégio Mira-Rio, em Lisboa. Experiência teórica sobre doença e espiritualidade não lhe faltariam, com certeza. Mas viver a experiência da doença na pele faz toda a diferença. «A limitação da condição humana já não era apenas um conceito teórico: experimentava-a na própria pele, nos outros doentes e nalguma fadiga que já era evidente nos profissionais de saúde pelo número crescente de casos de infeção.»
Esteve «mais de um mês internado no hospital, dez dias ventilado e em coma induzido e, como se isso não bastasse, tive um pneumotórax grave que me pôs em perigo sério de vida».

Dias no hospital e na recuperação que lhe deram «tempo para refletir sobre a vida e sobre a minha fé católica e o sentido de tudo isto, para pensar no sofrimento e na morte, no medo de não recuperar; tempo para pensar e conversar com familiares e amigos e tempo para rezar.»



O vírus tornou-o «só o Senhor Miguel, de pijama, numa cama de hospital, numa enfermaria para doentes Covid, assistido por auxiliares, enfermeiras e médicos – a maioria dos quais impecáveis e amáveis – escondidos por debaixo de fatos tipo escafandro, não fossem eles também contagiados».

Durante o tempo em coma e «na fronteira da morte» «não haveria de alcançar o sossego», porque «estava eu em luta com uns pesadelos terríveis». Ao acordar, descobre-se limitado e dependente: «Não me conseguia mobilizar na cama, levantar sozinho nem pensar, e necessitava de ajuda para qualquer tarefa ou cuidados de higiene». A marca da vulnerabilidade e da dependência atingiu-o. «Não era fácil compreender que para as mínimas tarefas diárias dependesse totalmente da ajuda de outros», porque «nada escapa à fragilidade». O sacerdote admite que «inicialmente não foi fácil confrontar-me com a “humilhação” de depender totalmente de outros para me alimentar, lavar, mobilizar, enfim, para quase tudo». Como lidar com esse sentimento? «Penso que se pode reagir com simples resignação, ou com revolta e tristeza, ou, melhor, aproveitando essa “humilhação do corpo vulnerável” para uma elevação do espírito, para crescer como pessoa humana; para verificar pessoalmente que a simples aceitação da ajuda e do amor aos outros acompanha-se quase sempre de mais serenidade na doença e que também daí depende, em grande medida, a grandeza do ser humano, independentemente das suas limitações.»

A experiência da doença viveu-a com a presença de família e amigos e isso fez muita diferença. «Como seria diferente, para pior, se estivesse sozinho! E que alegria pude experimentar pela presença tão próxima de tantas pessoas! […] Tive o privilégio de sentir a proximidade e a estima de tantas pessoas que, através de mensagens, telefonemas, visitas breves ao hospital, cadeias de oração e tantos outros gestos, contribuíram para aliviar o peso da doença», conta. O Pe. Miguel Cabral defende, por isso, que «o maior investimento pessoal que se pode fazer é na família […] é o melhor seguro de saúde e de invalidez. É a melhor garantia contra a solidão. É o lugar do amor».



O sacerdote dedica o último capítulo à perspetiva iluminadora da fé. Lembra que pediu que lhe levassem o seu «“kit de sobrevivência”: um crucifico que conservo desde a minha Primeira Comunhão e uma imagem da Imaculada Conceição que tenho sempre no meu quarto». Além de a doença causar cansaço e dependência para tantas coisas, também «custava-me rezar». Assim, «não deixava de dedicar longos tempos de oração, mas o incómodo da doença e a fraqueza geral dificultavam imenso a capacidade de concentração e era uma tarefa árdua tentar estabelecer o diálogo com o Senhor. Sabia, no entanto, que Ele estava ali, misteriosamente presente na doença. E era reconfortante pegar na cruz e beijá-la ou lançar um simples olhar à imagem de Nossa Senhora». Os sacramentos da Unção dos Doentes, da Confissão e da Eucaristia foram alimento e recorda com «emoção» «as oportunidades que tive para celebrar a Santa Missa na capela do Hospital, ajudado pelo capelão e sentado numa cadeira de rodas».

O livro A experiência do limite humano – testemunho pessoal em tempo de Covid, da Principia, intercala o testemunho do Pe. Miguel Cabral com bibliografia sobre estes temas da doença, vulnerabilidade e fé.
 

 
Texto: Cláudia Sebastião
 
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