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Peregrinar «com os olhos dos outros»
11.05.2017
Um grupo de peregrinos que veio do Sabugal trazia com eles um peregrino especial. O Carlos é cego, mas garante que conseguiu "ver" o caminho todo, pois trazia «35 pares de olhos» a ver por ele.


Fazer a cobertura jornalística de um evento como o 13 de maio em Fátima implica uma boa dose de trabalho na procura das histórias mais bonitas para contar, mas também alguma sorte.
 
Estar no sítio certo à hora certa permite encontrar as mais bonitas histórias, como foi o caso da história de Carlos Correia, cego, que se encontrava a chegar à Capelinha das Aparições depois de uma caminhada de seis dias desde o Sabugal. Enquanto todo o grupo se cumprimentava de forma emotiva, uma das senhoras agarrou-me pelo braço e disse-me «desculpe lá, mas o senhor em de vir conhecer este homem e tirar-lhe uma fotografia. É cego e veio desde o Sabugal até aqui!».
 
Não a contrariei, e valeu a pena. O Carlos é invisual desde 2009, mas já há muitos anos que a vista o traía. É a primeira vez que vem a Fátima a pé, e resolveu cumprir esta Promessa como forma de agradecer a Nossa Senhora tudo o que tem feito por ele na sua vida. «Eu fiz uma promessa a Nossa Senhora de Fátima, porque em França estava com muita dificuldade em arranjar a cidadania francesa. Pedi ajuda e consegui ter os papéis. Mas a vida nunca foi muito fácil para mim, e pedi sempre ajuda a Nossa Senhora, e sempre a tive».
 
Uma ajuda para a sua vida, mas não para voltar a ver. «Nunca pedi para ver, porque quando nasci Nosso Senhor disse-me “vais ser cego, por isso desenrasca-te e vê com os olhos dos outros”, e tenho aqui 35 pares de olhos comigo», diz, sorrindo.
 
Enquanto falávamos, são muitos os que, dentro do grupo, o vêm cumprimentar. A todos retribui com um sorriso. Pede que lhe mostrem um dos estandartes que o grupo fez, porque queria “ver” como era. No seu caso, vê com as mãos, e sorri enquanto percorre cada canto do estandarte e o estuda.


O caminho foi difícil, «tenho muitas borregas no pé». «São dois milhões e 700 mil quilómetros (risos)... a distância depende da que quisermos pôr. Isto é a fé, às vezes uma pessoa está em baixo, outras está em cima», considera, divertido.
 
Apesar de ser invisual, Carlos consegue «imaginar» como é o caminho. «Eu não vejo, mas imagino como é. Sei como é feita a natureza, e quando vinha a chegar aqui já sabia como era o terreno e as curvas que os carros fazem», diz.
 
Carlos veio sempre guiado por dois companheiros, o Zé e o Manuel, com uma corda colocada no seu pulso e no pulso do seu guia, para se orientar. Da primeira vez que veio a Fátima, em 1977, veio de carro, mas percebeu que este era um lugar especial. «Senti que aqui havia um túnel enorme, uma força que vai para cima», diz. Uma força que se transformou em carinho desta vez. «Quando estávamos a rezar o Terço pela primeira vez, no início da caminhada, disse a Nossa Senhora “tu és pureza, luz, vida e és a força da humanidade”. Senti como que um afago na minha cabeça, como se uma mão me acariciasse o cabelo, e garanto que não estou a inventar, que não brinco com estas coisas», diz, convicto.

 
Este peregrino vai esperar pelo Papa com todo o seu grupo, e espera do Santo Padre palavras «boas». «Espero que ele diga coisa boas para a humanidade, para todos, precisamos porque agora é um mundo muito brutal, violento», sustenta.
 
Para Nossa Senhora, menos palavras, mas mais sentidas. «Para mim, vou dizer obrigado por me ter ajudado até aqui. Na verdade, peço sempre mais para os outros que peço para mim».
 
Reportagem e fotos: Ricardo Perna
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