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Presidente da República veta eutanásia
30.11.2021
O Presidente da República vetou o decreto da Assembleia da República n.º 199/XIV, de 5 de novembro de 2021, que despenaliza a «morte medicamente assistida». O documento tinha sido recebido no Palácio de Belém no dia 25 de novembro. Marcelo Rebelo de Sousa faz «duas solicitações, ambas sobre questões surgidas só nesta segunda versão da lei». São elas «que clarificasse o que parecem ser contradições no diploma quanto a uma das causas do recurso à morte medicamente assistida. O decreto mantém, numa norma, a exigência de “doença fatal” para a permissão de antecipação da morte, que vinha da primeira versão do diploma. Mas, alarga-a, numa outra norma, a “doença incurável” mesmo se não fatal, e, noutra ainda, a “doença grave”. O Presidente da República pede que a Assembleia da República clarifique se é exigível “doença fatal”, se só “incurável”, se apenas “grave”». A outra questão refere-se à «doença fatal». O Presidente da República pede que a Assembleia da República «repondere a alteração verificada, em cerca de nove meses, entre a primeira versão do diploma e a versão atual, correspondendo a uma mudança considerável de ponderação dos valores da vida e da livre autodeterminação, no contexto da sociedade portuguesa».



Na carta enviada à Assembleia da República, Marcelo Rebelo de Sousa escreve que «além de introduzir alterações para fazer face à decisão e à argumentação do Tribunal Constitucional, aproveita para aditar novas normas, que suscitam inesperadas perplexidades», como as que respeitam ao «requisito da exigência de “doença incurável e fatal”». O Presidente nota que no n.1, do artigo 3.º «mantém-se essa exigência, nos mesmos exatos termos», mas «no novo número 3 desse artigo 3º, a exigência, para recurso à antecipação da morte medicamente assistida, passa a ser “doença grave ou incurável”». Uma «perplexidade», volta a escrever Marcelo Rebelo de Sousa que as «definições essenciais para a aplicação da lei, define a doença grave ou incurável como doença grave e incurável». Na carta o Presidente enumera as incoerências: «Isto é, no mesmo diploma e no mesmo artigo – o artigo 3.º –, temos: 1.º - A exigência de “doença incurável e fatal”, no número 1.; 2.º - A exigência de mera “doença grave ou incurável”, no número 3.; E a “doença grave ou incurável” já é definida como “grave” e “incurável”, na alínea d) do artigo 2.º. Ora, uma coisa é uma doença grave, outra uma doença incurável, outra ainda uma doença fatal.»

Daí que o chefe de Estado peça clarificação aos deputados: «O legislador tem de escolher entre exigir para a eutanásia e o suicídio medicamente assistido – que são as duas formas da morte medicamente assistida que prevê, entre a “doença só grave”, a “doença grave e incurável” e a “doença incurável e fatal”.» O que parece poder ser equivalente não o é, diz Marcelo. «No novo texto do diploma ora usa “doença grave ou incurável”, o que quer dizer uma ou outra, ora define aquela como grave e incurável, o que quer dizer, além de grave, também incurável, ora usa “doença grave e fatal”, o que quer dizer que, além de grave e incurável, determina a morte. Não apenas é grave, incurável, progressiva e irreversível, como acontece com doenças crónicas sem cura e irreversíveis. É fatal.»



O Presidente pede assim que a «Assembleia da República opte entre o exigido no número 1 e o exigido no número 3 do artigo 3.º. E, no caso de deixar de exigir a “doença fatal”, opte entre a doença ser grave ou incurável, como se diz no número 3 do artigo 2.º, ou cumulativamente grave e incurável, e como se diz na alínea d) do artigo 2.º». Porque «a aparente incongruência corre o risco de atingir fatalmente o conteúdo».

Se os deputados quiserem que possa recorrer à eutanásia quem sofra de doença que não seja fatal e implique a morte, então «alinhará pelos três Estados europeus citados pelo Tribunal Constitucional e pela Espanha – que, entretanto, aprovou lei no mesmo sentido -, os quatro com solução mais drástica ou radical, e afastando-se da solução de alguns Estados Federados norte-americanos, do Canadá e da Colômbia». Isso leva Marcelo Rebelo de Sousa à «questão mais substancial»: «Corresponde tal visão mais radical ou drástica ao sentimento dominante na sociedade portuguesa? Ou, por outras palavras: o que justifica, em termos desse sentimento social dominante no nosso País, que não existisse em fevereiro de 2021, na primeira versão da lei, e já exista em novembro de 2021, na sua segunda versão? O passo dado em Espanha? [...] Sobretudo, atendendo a mudança operada em apenas nove meses. Exigia-se doença fatal. Passar-se-ia agora a dispensar tal exigência.»

O Presidente da República garante que «não pesa na decisão que tomo qualquer posição religiosa, ética, moral, filosófica ou política pessoal – que, essa, seria mais crítica - mas, apenas – como aconteceu noutros ensejos similares – o juízo que formulo acerca do que corresponde ao que considero ser o sentimento valorativo dominante na sociedade portuguesa».

Desta vez decidiu não recorrer ao Tribunal Constitucional por «haver prévias aparentes incongruências de texto a esclarecer, e, por outro lado, por desse esclarecimento decorrer, largamente, o tipo de juízo jurídico-constitucional formulável». Marcelo Rebelo de Sousa diz ter tomado a decisão com rapidez por respeito ao Parlamento e «não decidir já depois de a Assembleia da República se encontrar dissolvida».

O Decreto n.º 109/XIV da Assembleia da República, publicado em 12 de fevereiro de 2021, foi "chumbado" pelo Tribunal Constitucional em 12 de abril de 2021. Os juízes decidiram-se pela inconstitucionalidade de algumas normas, defendendo que havia «violação do princípio de determinabilidade da lei enquanto corolário dos princípios do Estado de direito democrático e da reserva de lei parlamentar». No acórdão, o Tribunal Constitucional apontou alguns caminhos para permitir a eutanásia e o suicídio assistido. 
Texto: Cláudia Sebastião
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