A Bíblia conta que, quando Jesus morreu, os seus últimos momentos foram acompanhados por um grupo de mulheres que O seguiu. Entre elas, Maria, sua mãe, e Maria Madalena, uma companheira fiel declarada apóstola pelo Papa Francisco no ano passado, decisão justificada com o «atual contexto eclesial, que exige uma reflexão mais profunda sobre a dignidade da mulher».

Este contexto tem sido criado pelo Papa, em virtude da necessidade de valorizar a presença da mulher na Igreja, tantas vezes esquecida. «Há uma preocupação no discurso oficial da Igreja em tudo o que é ensinado desde o Vaticano II para cá na dignificação em geral da mulher. Não apenas promoção exterior, mas promoção a partir do Evangelho e do que são os valores profundamente cristãos e evangélicos. O problema depois está na prática. Há disparidade na forma como a Igreja tem aplicado, ou não, por exemplo no contexto africano, esta dignificação da mulher. Deveria, da parte dos pastores, haver muito mais empenho em de facto fazê-las aceder a diversas instâncias de gestão e governação da Igreja, que deveriam ter mais presença feminina», considera o Pe. Luciano Ferreira, missionário vicentino há muitos anos em África.
Em Moçambique, diz este missionário, as comunidades «são sustentadas, orientadas e animadas pela enorme doação que as mulheres põem nos ministérios que elas podem realizar». É por isso que considera que poderia ser necessário um papel de maior destaque hierárquico, já que na prática isso já acontece em muitas comunidades. «Tudo o que é uma emancipação genuína, humanamente equilibrada e profundamente evangélica, em relação ao conjunto da sociedade, onde o homem continua a esmagar a mulher de muitas maneiras, seria bom. A mulher, em grande parte, é escrava, objeto, aquilo que não deveria ser. Até dentro da Igreja há muita masculinização e muito caminho a andar», defende o sacerdote.
No princípio do Cristianismo, as primeiras comunidades cristãs estavam a cargo de mulheres. Priscila, Lídia ou Febe são alguns exemplos de mulheres que auxiliaram na organização das comunidades e a elas presidiram, embora não haja indicação de que tenham presidido à celebração de missas. «Sobre a ordenação das mulheres, a última palavra, clara, é a de São João Paulo II, e ela permanece», afirmou o Papa Francisco na sua viagem à Suécia, para os 500 anos da Reforma Protestante, arrumando essa questão.

Para o Papa, a solução poderá passar pelo regresso do diaconado feminino, uma figura que existia nos tempos da Igreja primitiva, e para isso criou uma comissão para estudar o assunto, situação que o Pe. Luciano Ferreira não descarta. «Do meu ponto de vista, não vejo que pudesse ser contra a doutrina, porque à diaconisa nunca se poria o problema de exercer um ministério do tipo de presbítero, que preside à Eucaristia, unge os doentes e confessa os pecadores, tudo coisas ligadas ao ministério dos Apóstolos. Isso não foi pedido a Maria nem a nenhuma das grandes mulheres do princípio, que são conhecidas e evocadas. Na linha de um diaconado que não é para realizar as funções do presbítero, ligadas ao altar, à liturgia e ao canto, mas que deveria ser muito mais como capacidade de poder rentabilizar a evangelização, organizando e orientando a comunidade, com uma sensibilidade muito maior para os pobres, como o Papa pede, aí sim, poderia fazer sentido», considera.
A Ir. Ausenda Pacheco, das Franciscanas Missionárias de Nossa Senhora das Graças, tem 83 anos e 66 de vida religiosa, passada entre Portugal, Moçambique e a África do Sul. Considera que «as mulheres poderiam ter um cargo eclesiástico idêntico ao do diácono permanente», mas diz que tal não será fácil. «Acho que não estamos preparados para que a mulher assuma esse papel. Há uma falta de sensibilidade da parte dos párocos para isso. As mulheres são tratadas pelos sacerdotes de forma mais ríspida do que os homens, e isso vê-se. Nós precisamos de estímulo, e a Igreja precisa de dar estímulo, os párocos precisam de dar estímulo, somos pessoas», afirma.
Se a mulher já desempenha uma tarefa essencial na vida das comunidades, sem precisar desses títulos, os mesmos apenas se poderiam considerar se, diz o Pe. Luciano, «o diaconado desse maior visibilidade à mulher, para ser ouvida em determinados momentos de decisão, orientação e discernimento». «Poderia ser uma hipótese, mas também se poderá desenvolver essa maior atenção nos órgãos principais da paróquia e da diocese, sensibilizando os pastores, a hierarquia. Se elas já fazem parte efetivamente, de forma espontânea e participando nos órgãos onde já está prevista a sua participação, deveria prestar-se-lhes a atenção que seria normal, independentemente de ser masculino ou feminino, e isso era uma forma de a Igreja contribuir para a verdadeira emancipação da mulher e para o que é a igualdade fundamental com que Jesus trata a mulher, dando-lhe até alguma prioridade», argumenta.

Esta é precisamente a posição de Sandra Costa Saldanha, mulher e diretora do Secretariado Nacional dos Bens Culturais da Igreja (SNBCI), um organismo da Conferência Episcopal Portuguesa. «É muito importante que se pense sobre o papel da mulher, numa perspetiva de termos presenças mais qualificadas a trabalhar nas estruturas da Igreja sob o ponto de vista profissional, sob o ponto de vista das suas competências. A Igreja portuguesa, nos últimos anos, tem claramente apostado nessa procura de profissionais certos e adequados, onde a mulher tem necessariamente um papel», refere esta diretora.
O Pe. Luciano acrescenta aquela que seria, no seu entender, a grande vantagem de uma maior presença feminina na Igreja. «Seria uma Igreja mais rica, e de certa maneira resolveria uma necessidade mais básica que a Igreja sempre tem proclamado: a mulher é um ser frágil pelo qual a Igreja deve dar tudo, não apenas por compaixão, mas porque aquele olhar de Jesus, aquela forma de atuar», trazendo as mulheres para perto de si e dando-lhes a importância que merecem, «deve ser a da Igreja».