A situação na República Democrática do Congo agravou-se muito e há já 13 milhões de pessoas a precisar de «ajuda urgente». Os números são das Nações Unidas. Nuno Crisóstomo, responsável da Unicef na República Democrática do Congo, diz que, nos últimos meses, «de uma forma geral, houve um agravamento da situação em relação aos conflitos».

Em dezembro, este português falou com a FAMÍLIA CRISTÃ sobre o trabalho da organização das Nações Unidas para a infância. Desde então a situação piorou. Na região de Djugu e Bunia, tem havido confrontos entre comunidades rivais que já causaram a morte de cerca de uma centena de pessoas e à fuga de muitas outras. «Muitas vezes, a parte étnica acaba por ser só uma desculpa. Há outras coisas por trás. Por vezes o étnico e o religioso acabam por ser desculpas», diz Nuno. Este especialista em emergências explica que «são essencialmente conflitos de acessos às terras que depois tomam esse aspeto étnico, mas apenas porque os pastoralistas pertencem a um grupo étnico e as populações sedentárias pertencem a outro grupo étnico, grosso modo. Claro que as consequências essencialmente têm sido o deslocamento das populações internamente e para o Uganda, Burundi e Zâmbia».
Marchas pacíficas terminaram em mortes
A população em fuga não cultiva as terras e a subnutrição tem aumentado. Além dos conflitos nestas regiões, tem havido também nos últimos meses muita tensão política, com manifestações contra o presidente e exigindo eleições. Joseph Kabila é presidente do Congo desde janeiro de 2001. Terminou o mandato em dezembro de 2016, mas recusa deixar o poder e não convoca eleições, que chegaram a estar previstas para dezembro do ano passado.

Nuno Crisóstomo explica que, em «31 de dezembro, houve confrontos graves motivados por manifestações pacíficas organizadas pela Comissão dos Leigos para a Coordenação». Novos protestos aconteceram em 21 de janeiro e 23 de fevereiro, todos terminaram em confrontos e com mortos. «Digamos assim: dentro dos incidentes houve “acidentes” porque as forças da ordem não estão preparadas para lidar com marchas pacíficas. O uso e abuso de gás lacrimogénio e a entrada de forças da ordem em lugares de culto e em hospitais temos de estar cientes que são elementos que não têm capacidades técnicas nem materiais para lidar com essas situações», explica. Este responsável reconhece que «houve esses mortos a lamentar e feridos graves e alguns dos feridos são pessoas até familiares de pessoas do governo». Não vê nisso uma perseguição aos cristãos e lembra até que «há uma religiosa de 24 anos que foi morta e ela é filha de um coronel da polícia. Claramente, é sintomático que as forças da ordem não estavam preparadas para lidar com marchas pacíficas».
«Foram dias marcantes»
Esses foram dias complicados para quem vive em Kinshasa, a capital do país. Nuno lembra-se bem deles. «Foram dias marcantes. No dia 31 de dezembro, não saí de casa porque não era de todo aconselhável. No dia 1 de janeiro, fui à Eucaristia, na Nunciatura, e eu era o único estrangeiro, por exemplo. Normalmente há sempre muita gente, em especial no dia 1 de janeiro, dia mundial da paz. O salão de entrada da nunciatura estava preparado para receber dezenas de pessoas e éramos meia dúzia. As pessoas tiveram medo.» Passou esse dia em casa a tentar perceber se os outros trabalhadores das Nações Unidas estavam em segurança. «Demorou cerca de 12 horas a termos a certeza que toda a gente estava são e salva. Temos uma equipa de quase 500 pessoas», conta. Em janeiro, nova manifestação no dia 21. «O núncio foi chamado ao vaticano. Às dez da manhã de dia 21 de janeiro, quando trocámos impressões, o Papa Francisco já tinha falado com ele. Já sabia que ia ser chamado ao Vaticano e neste momento não há núncio em Kinshasa.» Agora a Comissão dos Leigos comprometeu-se a dar tempo ao Governo até 30 de abril para tomar medidas. Se nada for feito, voltam os protestos. Mas «a Páscoa foi calma».
É com este pano de fundo que decorre, a
conferência de doadores em Genebra. O Governo da República Democrática do Congo não quis participar porque «não concorda com os números das organizações internacionais». Entende que a situação não é tão grave como as organizações internacionais afirmam.
Nuno explica que a conferência de doadores tem estados e uma parte pública. «Vai ser lançada Uma Campanha para o Congo, com duração de três anos. É uma das possibilidades para o público participar e contribuir.»
As Nações Unidas precisam de 2,2 mil milhões de dólares (1,7 mil milhões de euros) este ano. O secretário-geral adjunto da ONU para os Assuntos Humanitários, Mark Lowcock, sublinha que esse valor representa «menos de 50 cêntimos por dia» por cada vida que a ONU tenta salvar.