Precisa de ajuda?
Faça aqui a sua pesquisa
Recasados: «Sentimo-nos rejeitados»
07.10.2016
Tem-se falado muito que é preciso apoiar e acolher os casais recasados, ou seja, unidos depois do divórcio de um deles ou dos dois. Era o caso de Paulo Alves e Maria José Costa. Agora já foi decretada a nulidade do primeiro matrimónio de Paulo. Casaram recentemente pela Igreja, mas não esquecem o sofrimento por que passaram. É o seu testemunho que conhecemos nesta entrevista.
 

Família Cristã – Quando se conheceram como era a vossa vivência em Igreja e na fé?
Paulo Alves – Eu estava no agrupamento dos escuteiros no Carregado e participava na Eucaristia e tínhamos as nossas atividades. Conhecemo-nos no agrupamento.
Maria José Costa – Eu era caminheira. Tinha frequência assídua à Eucaristia e as atividades dos escuteiros que estavam sempre ligadas à Igreja.
 
- Paulo, na altura eras divorciado. Como viveste a separação?
Paulo – Foi um momento muito complicado porque não estava à espera. Quando casei, pensei que era para toda a vida. O momento da separação e do divórcio foi um momento com muita dor. Eu não aceitei muito bem a situação. Senti-me um bocado perdido. Tinha uma educação muito católica, muito rígida, e o divórcio era visto mal. Estive três anos sem estar com a minha família. Não ia a batizados, a casamentos. Tinha vergonha da situação. Recordo-me que, às vezes, ia a caminho do trabalho e dizia: «Quem me dera ter aqui um acidente e que morresse para acabar este sofrimento…»
 
- Conheceram-se, apaixonaram-se, decidiram ir viver juntos e depois, como foi? Que consequências concretas tiveram?
Maria José – Eu nunca pensei no impacto que a nossa relação teria na nossa vivência dentro da Igreja. Quando decidimos ir viver juntos, o mundo desabou. Foi quando me apercebi que, a partir daquele momento, havia uma série de coisas que me seriam vedadas por parte da Igreja. Eu, na altura, estava a fazer o curso de preparação para chefe e fui informada de que já não poderia ser investida por causa disso. Ao fim de 14 anos de vivência escutista, para mim foi um choque. Como é que no dia antes eu era um bom exemplo e no dia a seguir deixei de ser um bom exemplo para os jovens?! 
 

- Como viveram esses afastamentos? Não foi só dos escuteiros ou foi?

Paulo – Também existiu uma revolta nossa para com a Igreja. Eu senti-me culpado com o divórcio e com o relacionamento com a Zézinha… como se fosse a pior pessoa do mundo. Não senti um acolhimento da Igreja. Isso revoltou-me. O nosso pároco nunca teve uma palavra para connosco. Sentimos que fomos postos de parte e isso custava-nos imenso. Senti-me como um grande pecador. Eu podia continuar nos escuteiros porque eu era investido, era chefe, mas a Zézinha não podia. Que sentido é que faria para nós? Decidimos afastar-nos. E da parte da paróquia também não sentimos acolhimento. Sentimo-nos um bocado perdidos e andámos um pouco a vaguear.
Maria José – A primeira vez que fui à missa foi um grande choque: a questão de «agora não me posso confessar, não posso comungar». Há uma série de coisas que nos foram vedadas, não é? É o direito canónico. Mas vivê-las é um grande sofrimento.
 
- Sentiram-se rejeitados, mas continuaram a ir à missa ou afastaram-se?
Maria José – Também nos afastámos da Igreja. Sentimo-nos rejeitados, revoltados e fechamo-nos mais sobre nós próprios. Eu nunca deixei de me sentir filha de Deus. Deixei foi de me sentir filha da Igreja. Deus sempre foi meu Pai. Deixei de sentir a Igreja como minha mãe. Senti que da parte da Igreja não era aceite nem acolhida.

- Quando se deu o regresso e o acolhimento? O que foi a pedra de toque?
Maria José – Tivemos a sorte de, numa festa, conhecer um padre que, ao partilharmos com ele a nossa situação, nos quis conhecer melhor. Depois convidou-nos para ir para a paróquia dele, uma vez que não nos sentíamos bem na nossa.

- Passaram a participar ativamente nessa paróquia? O que faziam?
Paulo – Sim, éramos catequistas, fazíamos parte do conselho pastoral e dávamos apoio ao que era necessário.
Maria José – Eu também fazia animação litúrgica nas celebrações.
 
- Isso foi importante para vós? Porquê?
Paulo – Foi muito importante. Sentimo-nos acolhidos. Deixámos de ser os indesejados para sermos desejados. Sentimo-nos amados e começámos a sentir-nos amados pela Igreja também através dele. Não se preocupou com a questão de sermos recasados, mas com também sermos filhos de Deus.
Maria José – Ter essas atividades, a mim ajudou-me a sentir «O.K., há aqui uma série de coisas que eu não posso fazer, mas também há uma série de coisas que posso fazer, em que posso ser útil, em que posso pôr a render os dons que Deus me deu.

- Paulo, a decisão de avançar com o pedido de nulidade foi fácil? Demoraste alguns anos a avançar. Porquê?
Paulo – O processo de nulidade foi um processo muito longo, não tanto pelo processo em si, mas por causa de mim. Eu fui ao tribunal eclesiástico para iniciar o processo há mais ou menos dez anos. O início era com um inquérito, com umas perguntas. Achei muito difíceis e não consegui responder.
O papel ficou encostado e o processo esteve parado nas minhas mãos oito anos. Na nossa paróquia, com a nossa participação crescemos muito, começamos a ter mais paz. O pároco que nos acolheu começou a dizer: «Quando é que começas a tratar do processo de nulidade?» E eu dizia-lhe: «É tão difícil…» Ele foi insistindo, insistindo e um dia disse-me: «Vamos combinar um dia e eu vou-te ajudar a responder ao inquérito.» E assim foi. Também foi importante eu reviver o momento. Entretanto o processo foi encaminhado para o tribunal há cerca de dois anos.

- Quanto tempo demorou até haver uma decisão?
Paulo – Cerca de dois anos. Pareceu-nos muito longo, mas eu estive oito anos com um papel lá em casa e queria que o tribunal respondesse num prazo mais curto… Parecia uma eternidade.

- Maria José, a nulidade foi confirmada e agora estão a preparar o vosso matrimónio. O que anseiam mais?
Maria José – Casámos há quase dez anos pelo civil, mas este casamento tem um significado muito especial. Eu sinto-me em paz com Deus, mas este passo vai ser muito importante para me sentir em paz com a Igreja. Apesar de já nos sentirmos mais acolhidos e já prestarmos vários serviços na Igreja, continuamos a ser uns cristãos, não digo de segunda, mas continuamos a não ser uns cristãos plenos. Agora, passado 15 anos ir comungar outra vez… sinto-me como se fosse fazer a primeira comunhão. É uma coisa que tem mexido muito comigo. Vai ser muito especial.
Paulo – Eu sinto-me um pouco como o filho pródigo que volta a casa e que o pai o recebe e dá-lhe um abraço. É sentir este amor profundo e pleno. Não é que Deus esteja chateado comigo, porque Ele ama-me tanto. Mas é eu sentir-me perdoado. Não é que Ele não me perdoe, mas esta dificuldade de eu Lhe perdoar…

- O Papa e os bispos dizem que é preciso acolher os recasados. O que falta para isso acontecer na prática?
Paulo – Tem de haver acolhimento da parte da Igreja, e a Igreja não são só os padres. Falta pensar e preparar uma estrutura para acolher as pessoas. Se as pessoas soubessem que os recasados sofrem, pensavam «será que não se pode acolhê-los», ajudar as pessoas a passar este momento difícil.
Maria José – Não há soluções mágicas. Cada comunidade tem de discernir as melhores opções. Mas também faltam coisas antes de se chegar a essa situação.

- No acompanhamento dos casais?
Maria José - Antes do matrimónio e depois.
Paulo – Se eu tivesse preparado o meu primeiro casamento como deve ser, se calhar não tinha casado, tinha percebido que não estava preparado para casar. E depois do casamento também não houve um acompanhamento da Igreja. E isto ainda se passa hoje em dia.
O Curso de Preparação para o Matrimónio (CPM) são sessões, meia dúzia de horas. E quando as pessoas chegam ao CPM já estão decididas. Deve começar-se mais cedo, nas catequeses, nos jovens.
Maria José – Temos conhecimento de paróquias que têm grupos de acompanhamento de casais de namorados. O caminho começa logo aí. Quando fazem o discernimento do casamento já é muito mais refletido, rezado. E mesmo após o matrimónio deve haver algum acompanhamento.

- Olhando para a vossa história e para estes anos que passaram, como se veem como família?
Paulo – A nossa família é um pouco especial. Nós temos três filhos. Decidimos adotá-los, ou melhor, eles adotaram-nos como pais há quatro anos. Tem sido um renascer de família. Vivemos alguns anos apenas os dois e, de repente, passámos a cinco. Acredito e sinto que somos uma família muito feliz. Com uma alegria lá em casa. Com três filhos é uma alegria de manhã à noite.
Maria José – Acabamos por ser uma família como as outras. Somos uma família onde reina muito o amor e isso acaba por ser o ele mais forte do que o laço biológico.
 
Pode ver a entrevista em vídeo:
 
 
Texto: Cláudia Sebastião
Fotografias: Ricardo Perna
Vídeo: Paulo Paiva
Continuar a ler