A 20 de novembro assinalaram-se 32 anos da Convenção sobre os Direitos da Criança. Falar dos direitos das crianças e quais são para eles os mais importantes impõe-se. O direito a brincar e a poder falar são os mais referidos, quer por adultos quer por crianças, num mundo em mudança e assombrado por vírus e guerra.
Corria o ano de 1989, e como habitualmente as Nações Unidas reuniam-se para debater assuntos e temas de importância mundial. 20 de novembro foi o dia em que foi aprovada por unanimidade a Convenção sobre os Direitos da Criança. Tinham passado cerca de 30 anos desde que a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamara mundialmente a Declaração dos Direitos das Crianças (em 1959) e fora estabelecido o Dia Mundial da Criança (celebrado a 1 de junho na maioria dos países). Desde então, todos os anos assinala-se esta data um pouco por todo o mundo, e Portugal não é exceção, desde que ratificou a Declaração a 21 de setembro de 1990.
Mas, afinal, o que são os Direitos das Crianças e quem os defende? Quais são? As crianças têm consciência deles? Comecemos por uma definição essencial – Quem é considerado criança? «Nos termos da presente Convenção, criança é todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais cedo.»
Os direitos das crianças foram definidos na Convenção de 20 de novembro de 1989, que é composta por 54 artigos e «assenta em quatro pilares fundamentais (civis, políticos, económicos, socioculturais): a não discriminação, o interesse superior da criança, a sobrevivência e desenvolvimento, a opinião da criança» e visa «sensibilizar para os direitos das crianças e para a necessidade de promover uma melhoria das condições de vida, tendo em vista o seu pleno desenvolvimento». A nível mundial é a UNICEF (United Nations Children’s Fund – Fundo das Nações Unidas para a Infância) quem vela pelo seu cumprimento.
Em Portugal, a supervisão e vigilância do cumprimento dos direitos das crianças é feita por diversas instituições e organismos, de que se destaca o IAC – Instituto de Apoio à Criança, atualmente presidido por Dulce Rocha.
Em entrevista à FAMÍLIA CRISTÃ, referiu a importância dos direitos das crianças, de que se destaca «o direito à vida, o direito à salvaguarda, ou o direito à integridade física”, mas salienta que há outros direitos importantes e a considerar atualmente, como por exemplo «o direito ao brincar», defendido em Portugal pela pedagoga Natália Pais, uma das pioneiras na matéria (já falecida).
«O direito ao brincar é muito importante para o desenvolvimento das crianças, da sua criatividade. Ajuda as crianças a compreender a necessidade do desenvolvimento e do seu bem-estar», disse-nos, salientando que «crianças a brincar é a expressão máxima de ser criança».
De facto, a atividade lúdica está consagrada no art.º 31.º da Convenção sobre os Direitos das Crianças, visando «contribuir para que todas as crianças tenham uma infância feliz, promovendo o direito de brincar, enquanto fator determinante para o desenvolvimento pessoal e social da criança».
«Também muito importante para o desenvolvimento das crianças e no âmbito dos direitos das crianças é a importância de as envolver nas tomadas de decisões e respeitá-las», refere a responsável do IAC.
Para Dulce Rocha é «importante investir na criança, vê-la como uma prioridade, pois só assim será possível no futuro ter uma maior igualdade, um equilíbrio na sociedade, pois as desigualdades tornam difícil cumprir e respeitar os direitos». Acrescenta que «as crianças têm necessidades hoje, já não dá para adiar, e por isso é preciso ouvir mais as organizações não-governamentais, pois o Estado sozinho não consegue fazer tudo».
Conseguir condições de vida dignas para as crianças, como uma habitação digna ou alimentação, por exemplo, são fundamentais. «A questão da dignidade das crianças é essencial», conclui Dulce Rocha.
Mas será que a escola ensina e fala dos direitos das crianças? Lídia Santos, de 44 anos e professora do ensino básico (há 13 anos num colégio católico), partilha um pouco da sua experiência.
«No contexto escolar, as crianças sabem que há uma data (1 de junho e que se assinala também o dia 20 de novembro) e fala-se sobre o tema, especialmente nas aulas para a cidadania», refere. «A igualdade de direitos e o acesso à educação são alguns dos pontos abordados consoante o currículo da escola», explica.
«Para grande parte das crianças (como é o caso dos meus alunos), o direito à casa, à família, à educação são naturais, para elas é uma surpresa haver crianças que não têm. Como por exemplo o direito a brincar ou o direito ao nome (algo que para elas é natural)», refere, acrescentando que, «nestes casos, a minha missão é mostrar sempre os dois lados, alertar para as coisas, despertar consciências, incutir valores, mostrar que o mundo lá fora tem dificuldades, há diferenças, ajudá-los a tornarem-se adultos íntegros e conscientes».
Para esta professora, «as crianças têm noção que podem dar opiniões e que devem ser ouvidas e respeitadas».
Entre os vários direitos de que as crianças do ensino básico têm consciência, o direito a brincar é um dos mais importantes e explica que «na situação que vivemos atualmente, por exemplo, as crianças têm noção que a pandemia lhes tirou alguns direitos, como por exemplo o de brincar com os amigos. Para elas, brincar é uma das coisas mais importantes, o estarem juntas com os seus pares, mas à medida que a idade avança começam a dar importância a outras coisas, como por exemplo o estarem juntos com a família, o ter saúde, mas acima de tudo o “direito de estar junto” com aqueles que gostam, de os poder abraçar e tocar», conclui.
A voz às crianças
E as crianças, que dizem elas? Que direitos conhecem e valorizam? Para Diogo Mota, de sete anos, «os direitos da criança são coisas que elas têm e podem fazer», e entre os vários direitos que conhece destaca o «direito ao brincar, à alimentação e ao poder falar – dar opinião».
Segundo ele, «as crianças têm noção dos direitos, especialmente as mais velhas, os mais pequeninos ainda não, e os adultos (pelo menos os que o rodeiam) também». Para Diogo, «já mudou muita coisa, especialmente desde o tempo em que os pais eram pequenos, mas ainda podem mudar mais».
Noções e conceitos que vai aprendendo quer em casa quer na escola, onde também se fala de vez em quando dos direitos das crianças.
Já Teresa Cabral, de 11 anos, destaca o «respeitar as crianças como um dos direitos fundamentais», e dá como exemplo o que se está atualmente a passar com os refugiados e com os migrantes. «O direito à alimentação, a uma casa e condições de vida digna e a garantia de integridade física» são outros dos direitos que Teresa refere.
«O direito ao brincar, ao poder falar e à liberdade» são também muito importantes para esta menina, que os aprende essencialmente em família, embora refira que alguns temas são ligeiramente abordados na disciplina de Educação Cívica.
Teresa conclui dizendo que «ainda falta fazer muito para o bem das crianças, e que falta alguma sensibilidade aos adultos para lidar com elas e com os seus assuntos».
Opiniões e pensamentos que nos permitem ter esperança no futuro, indo de certa forma ao encontro do repto que António Guterres – atual secretário-geral das Nações Unidas – lançou no âmbito da nova estratégia da juventude das Nações Unidas: «As Nações Unidas têm de capacitar os jovens, aumentar a sua participação na sociedade e o seu acesso à educação, formação e emprego, pois o exercício do respeito pelos direitos da criança irá, também, ajudar cada criança a entender os seus próprios direitos e a respeitar os direitos dos outros […]. Se soubermos escutar, valorizar e orientar os mais jovens, na sua diversidade e necessidades específicas, e formos capazes de implementar políticas articuladas de proteção das crianças que garantam condições que permitam a todas, sem exceção, aprender, ter saúde e viver com dignidade, será possível a existência de gerações mais felizes e competentes nos diversos domínios da vida e uma sociedade mais justa e saudável.»
Quais são os dez direitos fundamentais das crianças (estabelecidos em 1959)?
Todas as crianças têm o direito à vida e à liberdade.
Todas as crianças devem ser protegidas da violência doméstica, do tráfico humano e do trabalho infantil.
Todas as crianças são iguais e têm os mesmos direitos, não importando a sua cor, raça, sexo, religião, origem social ou nacionalidade.
Todas as crianças devem ser protegidas pela família e pela sociedade.
Todas as crianças têm direito a um nome e a uma nacionalidade.
Todas as crianças têm direito a alimentação, habitação, recreação e atendimento médico.
As crianças portadoras de deficiências, físicas ou mentais, têm o direito à educação e aos cuidados especiais.
Todas as crianças têm direito ao amor, à segurança e à compreensão dos pais e da sociedade.
Todas as crianças têm direito à educação.
Todas as crianças tem direito de não serem violadas verbalmente ou serem agredidas por pais, avós, parentes, ou mesmo a sociedade.
Texto e fotos: Elsa Furtado
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