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«Se as Nações Unidas não reconhecem o genocídio, participam nele»
01.06.2016
Pascale Warda foi ministra das Migrações e Refugiados do Iraque. É católica caldeia e ativista dos direitos humanos. Mulher corajosa, é atualmente a voz das minorias perseguidas no Iraque. Na entrevista à FAMÍLIA CRISTÃ, fala sem rodeios da situação de selvajaria e terror que se vive no país.


 
Como é a situação dos cristãos no Iraque?
A situação dos cristãos é como a de todos os iraquianos. Mas de uma forma especial, os cristãos e as outras minorias, como os yazidis, estão deslocados desde 2014. Vivem até agora em tendas, em grandes campos, em caravanas especiais para eles, em casas coletivas. É uma situação verdadeiramente precária que põe em causa a sua dignidade. Eu digo desde o primeiro dia, e ainda não mudei de opinião, que a melhor solução é ter forças internacionais que assegurem a segurança desta região, e sobretudo das minorias.
 
Estes problemas agravaram-se com o autodenominado Estado Islâmico?
Absolutamente. Foi o Estado Islâmico que criou este problema. É verdade que já tínhamos um problema anterior e, por isso, o Estado Islâmico foi livre de entrar. Agora temos o perigo de deixar os idosos, as crianças, as mulheres nas suas casas às mãos dos criminosos do Daesh. Em Mossul, o exército abandonou totalmente os cristãos e outras minorias. Na planície de Nínive, protegida pelos combatentes curdos, eles disseram: «Não temos nada a fazer aqui.» E foram-se embora antes de o Daesh chegar. Mulheres e crianças ficaram à espera que o Daesh os viesse matar. Entrevistei mulheres e meninas cristãs que foram violadas sexualmente e há ainda um número de cativas em Mossul, com yazidis e outras.

Pode contar-nos algumas dessas histórias que ouviu?
Na organização Hammurabi Direitos Humanos registámos mais de 100 casos de cristãs e yazidis. Ouvimos histórias de violência sexual... piores do que selvagens. Não consegui continuar a escrever o que ouvia da boca de meninas de 12, 20 ou 10 anos que contavam coisas terríveis. Dei-lhe o papel e disse: «És mais corajosa do que eu. Escreve.» Documentei tudo, publiquei e exigi ao governo que fizesse algo. Mas até agora ainda ninguém fez nada. As mulheres vêm quase nuas, mortas de fome, de calor, de sede. É verdadeiramente uma história negra a que se passa neste momento com as mulheres que estão às mãos do Daesh.
 
É por isso que defende que as Nações Unidas reconheçam o genocídio?
Devem! Devem! É o seu dever! Se não reconhecem o genocídio no Iraque com cristãos e yazidis também estão a participar nesse genocídio. Para mim é imperdoável. São crimes continuados e que é preciso que o mundo entenda e veja o que se passa.

Reconhecer o genocídio é o dever número um, a meu ver, das Nações Unidas agora! Que querem então que seja genocídio? Quando há minorias destruídas, violadas, mortas, raptadas.

Christine, de três anos, arrancada do peito da sua mãe quando mamava. É incrível, é inumano ver que a mãe continua a procurar a seu bebé até agora. Ela perguntou: «A minha bebé?» Apontaram-lhe uma arma e disseram-lhe: «Se dizes mais uma vez “A minha bebé?” matamos-te.» Não sabemos onde está a pequena Christine. O que fizeram de uma bebé de três anos?

É o quê o genocídio? Se não temos o nosso património! Em Mossul, pela primeira vez em dois mil anos, as portas das igrejas estão fechadas. As igrejas estão destruídas de uma forma selvagem. O que querem que seja genocídio? Encontrei uma mulher caldeia católica, ainda não tinha 30 anos, com três crianças. Ela sofreu atos desumanos. Contou-me que oito homens, um depois do outro, na mesma hora, ao mesmo tempo, a violaram de formas inimagináveis. Ela estava completamente destruída. Depois de ser libertada, planeou queimar a cara. «Pus petróleo na cara para queimar o rosto e não ser bonita.» São experiências infernais as que ouvimos.
 
Quais são as consequências da declaração de genocídio? Falou de forças internacionais. Seriam a solução?
É reconhecer a maldade e a história negra em que estamos no séc. XXI. Depois, é reconhecer o direito destas pessoas que foram vítimas e de gritar que é crime. É preciso procurar e julgar os criminosos. Há vítimas que devem ser ressarcidas moralmente e materialmente. Este reconhecimento contribui para apresentar os criminosos que cometeram os crimes, e os que estão por trás dos crimes, perante as instâncias internacionais. É muito importante para nós.
 
 
O que gostaria de dizer a um cristão português ou europeu? As histórias que nos conta parecem tão distantes…
Na nossa fé cristã, nada nem ninguém está longe. Estamos todos perto. Somos um. A geografia nunca atrapalhou a fé cristã. A indiferença seria verdadeiramente matar o coração da mensagem de Cristo, porque Cristo disse e mostrou que o outro «sou Eu». Para mim, e para os cristãos, essa palavra não pode ser mais um livro numa biblioteca. É o código da nossa vida.

Espero e rezo que vocês possam partilhar a paz que têm na vossa oração. Para nós é uma arma eficaz: é uma união de oração. É a confiança em Deus que promove a mudança de coração.

Há outra coisa que podeis dar: a vossa solidariedade. Como cidadãos responsáveis, peçam aos vossos políticos que façam política responsável. Quer dizer, junto das instituições, junto da União Europeia, exijam que socorram esses países. Se quiserem dar-nos o vosso saber-fazer, nós damos petróleo. Não o podemos beber. Vocês darão outra coisa, a tecnologia, o conhecimento, uma sociedade democratizada.
 
Veja aqui o vídeo da entrevista:

Leia a entrevista mais alargada na edição de junho da FAMÍLIA CRISTÃ.
  
Texto: Cláudia Sebastião
Fotos: Ricardo Perna
 
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