«Sentimos que o Estado estava a virar as costas e a fugir às suas responsabilidades»
21.04.2021
A voz de Paulo Gonçalves treme quando dá voz às suas preocupações: «Sou presidente da Cáritas a título voluntário e esta semana fui à Cáritas e vim de lá com o coração assim pequenino, muito pequenino, porque pela primeira vez na vida vi a dispensa da Cáritas vazia. Porque os pedidos de urgência são muitos… Não deixamos de apoiar quem nos bate à porta. Houve um dia desta semana [início de março] em que 12 pessoas nos bateram à porta a dizer “nós estamos com fome, ajudem-nos”. As pessoas não saem da Cáritas sem levar um cabaz de emergência, com um conjunto de alimentos necessários para confecionar meia dúzia de refeições. Mas simultaneamente procuramos a resposta no terreno.»
Houve várias fases neste último ano de pandemia. A que causou mais revolta foi em março de 2020. «A maior revolta foi exatamente nesse momento, porque sentimos que o Estado estava a virar as costas a esses cidadãos estrangeiros e em particular estava a fugir às suas responsabilidades.»
Paulo Gonçalves diz ter consciência de que «não podemos ajudar toda a gente face ao número de pedidos que nos vão chegando». A solução tem sido ser «criteriosos na resposta que damos e procuramos encontrar resposta para essas pessoas».
Se os pedidos aumentaram, as verbas atingiram «o limiar mínimo de receitas da instituição». Em 2020, o peditório de rua na semana nacional da Cáritas não se realizou. Uma receita que «representa 70% das receitas», cerca de «60 mil euros». Com tão poucos recursos financeiros a Cáritas do Porto recorreu «às reservas». «Não posso ter cinco ou seis anos como o ano passado, porque se assim for, nós temos que fechar a casa», afirma com frontalidade.
O presidente da Cáritas diocesana do Porto reconhece a dificuldade atual, mas também alerta que «as famílias perderam rendimento mas tiveram algumas soluções em cima da mesa que ajudaram a amenizar esta situação. A emergência económica e a emergência financeira, eu acredito que ainda não sentimos verdadeiramente o impacto dela. Eu temo muito que até final de 2022 a situação seja particularmente difícil».
Entrevista conduzida por Cláudia Sebastião
Foto Direitos Reservados
Edição de som: Cláudia Sebastião