Há umas semanas, demos a conhecer um grupo de cinco voluntárias portuguesas que iam partir para a Jordânia. A missão era trabalhar com refugiados em Amã, em colaboração com a Cáritas da Jordânia. Já regressaram a Portugal e Ana Rita Sousa conta-nos como foi esta experiência.

Família Cristã – Quando falámos antes da viagem, só sabiam que iam trabalhar com a Cáritas da Jordânia, mas não o que iam fazer. Como correu esta experiência de voluntariado?
Ana Rita Sousa – Nós só sabíamos o que íamos fazer no dia anterior. Na primeira semana, estivemos na cantina social da Cáritas, o que foi bom porque é uma equipa estupenda. Para mim, este foi o primeiro impacto com o Médio Oriente e com esta cultura. A coisa interessante é que quando estamos a fazer coisas muito práticas como arranjar frangos, esfregar o chão vemos que é tudo muito diferente e é uma experiência de inculturação.
Eu ia à espera de uma Jordânia onde toda a gente falava inglês, mas não é bem assim. A barreira linguística é muito forte. Só os mais jovens e alguns sabem inglês. Refugiados sírios ou iraquianos simplesmente falavam árabe e nada mais. Até a linguagem corporal e gestual não era a mesma. Aprendemos a dizer habibi, além disto o típico «vai buscar o esfregão», «passa a panela» era tudo em árabe.
A cantina social nasceu em novembro, dezembro do ano passado, no ano da misericórdia por isso se chama Restaurant of Mercy (Restaurante da Misericórdia). Fazíamos uma média de 300 refeições por dia. Há uma zona para refeições para 70 pessoas. Vem quem entender que necessita, as portas estão abertas a todos. Em regra são muçulmanos que vencem a barreira de ir a uma instituição católica com a fotografia do Papa logo à porta.

Família Cristã – Estiveram na Jordânia, com população maioritariamente muçulmana na altura do Ramadão. Como foi trabalhar num sítio que faz refeições durante esta altura de jejum?
Ana Rita Sousa – O restaurante em norma prepara e serve almoços. Neste mês só servimos jantares. Nós comíamos às escondidas porque é mal visto.
Preparámos as 70 refeições servidas ali. E depois fazíamos uma série de refeições para a quebra do jejum que eram servidas nas escolas: arroz e muito frango, porque era a única altura do dia em que comiam.
Família Cristã – Também estiveram num centro médico da Cáritas. Foi lá que puderam participar numa sessão de acompanhamento psicológico a refugiados iraquianos com depressão?
Ana Rita Sousa – Sim… A vida lá não é fácil. Os cristãos são cada vez menos. Os iraquianos diziam: «O Daesh pôs-nos fora de casa, querem limpar os cristãos para fora daqui para deixar os territórios só para muçulmanos.» Os cristãos identificam-se com uma cruz tatuada na mão, com um terço ao pescoço… Estas pessoas não têm terra, não têm pátria e não sei até que ponto estão integradas numa comunidade eclesial que ajude, porque a fé é um grande suporte.
Família Cristã – Todas têm formação superior, duas são juristas e três ligadas à saúde. Como foi lavar chão, esfregar panelas e pratos, arranjar frangos?
Ana Rita Sousa – Tínhamos pilhas de loiça para lavar à mão que vinha da distribuição no exterior e arranjámos muitos muitos frangos. Eu tinha posto na minha cabeça o trabalho mais simples que pudesse fazer. E pensei que podia ser lavar casas de banho. E pensei: «Ana Rita, estás preparada? Se não estiveres mais vale não partir!» No primeiro dia, estivemos a aprender um bocadinho como eram as coisas e o lugar das coisas. No segundo dia, por gestos puseram-me o esfregão e o detergente na mão e mandaram-me lavar a casa de banho. Senti que encontrei a minha vocação. Foi como uma confirmação do alto. Era este o caminho que eu queria.
Família Cristã – Esta experiência mudou alguma coisa na forma como vê os refugiados?
Ana Rita Sousa – A ideia de que os refugiados são uns coitadinhos, que são uns pobrezinhos não é verdadeira. São irmãos ao nosso nível. São pessoas que, às vezes, até tinham óptimas condições de vida. Numa partilha ouvia-se muito isto «nem sonhar posso porque já nem sonhar sei». Era ver pessoas com escolaridade, outras com burcas. Não pensava ver tantas burcas.
Família Cristã – Como comunicavam?
Ana Rita Sousa – O nosso diálogo era pelo olhar, pelo sorriso. No fundo, o nosso trabalho foi ao serviço dos refugiados. Cada perna de frango, cada coxa, cada prato lavado era para eles. Estendemos mãos, fizemos gestos. A língua foi mesmo uma barreira.
Um sírio dizia que só o facto de estarmos ali, de termos usado as nossas férias, o dinheiro que tínhamos e não tínhamos, era mostrar-lhes que não estão esquecidos. Espero que a nossa viagem tenha falado por si, no "Sacramento da Presença". Criámos grandes amizades e muitas pontes e trazemos muitos desafios.
Família Cristã – Como têm sido estes dias depois do regresso?
Ana Rita Sousa – Todas sentimos que esta aventura deveria continuar. É qualquer coisa que queremos continuar a viver por estas pessoas. Voltei com a alma cheia. A sensação de estar estoirada ao fim do dia, estar atenta a cada coisa, olhar com este olhar de amor. Pessoalmente trago alguns desafios, pensar se é possível trazer alguns sírios para Portugal, pondo as duas Cáritas a conversar e a partilhar experiências. Trago alguns projetos para aprofundar a cultura árabe. A questão da língua deu-me uma enorme vontade de aprender árabe. Gostaria de ser uma pequeníssima ponte entre o Ocidente e o Oriente.
Entrevista conduzida por Cláudia Sebastião
Fotos: Cláudia Sebastião, Voluntárias/Dividir o Bem pelas Aldeias e Cáritas Jordânia
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