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Sínodo: documento de trabalho é «voz da igreja local, voz da terra»
03.10.2019
Os participantes no Sínodo sobre a Amazónia que se inicia no próximo dia 6 de outubro vão «dar orientações e princípios» sobre variados temas, mas a Igreja «irá fazer apelo aos próprios membros para avisar que o que estão a votar é o que devem começar a fazer na prática», avisou o Cardeal Claudio Hummes, relator geral da assembleia, na conferência de imprensa que serviu para apresentar o encontro de bispos, cardeais e especialistas com o Papa que se inicia no próximo domingo.

 
Na Sala de imprensa da Santa Sé, estiveram presentes o Cardeal Lorenzo Baldisseri, secretário-geral, o relator-geral, Cardeal Cláudio Hummes, e o sub-secretário do Sínodo dos Bispos, D. Fabio Fabene.
 
Na apresentação, o cardeal Baldisseri explicou que este será um evento a pensar na prática da salvaguarda do ambiente, no exemplo que o Vaticano deve dar. «Durante o Sínodo, coisas pequenas como os copos, irão ser reutilizados. O papel utilizado tem o maior número de certificações de proveniência, e serão exemplo para outros países e organizações», entre outras coisas, como explicou o cardeal.
 
Mas as atenções dos jornalistas estiveram viradas essencialmente para D. Claudio Hummes, o grande responsável pelo processo sinodal que conduziu à elaboração do Instrumentum laboris, que tanta polémica tem dado.
 
Na sua intervenção inicial, o cardeal defendeu que «uma verdadeira abordagem ecológica deve ser sempre uma abordagem social da pobreza, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres». «Não há duas crises separadas, uma ambiental e outra social, mas uma única e complexa crise socio-ambiental», disse aos jornalistas.
 
O cardeal brasileiro afirmou também que a Igreja na Amazónia tem uma «história heroica». «Houve muitos mártires, tanto da Igreja como de outros defensores, seja dos direitos dos povos indígenas como dos “direitos da terra”. Muitos já morreram e muitos estão ameaçados, pessoas que defendem os indígenas ou qualquer uma das religiões», avisou, acrescentando que a questão da inculturação da fé católica com a cultura indígena é essencial. «Hoje, mais que nunca, a Igreja percebe a necessidade de inculturar a fé cristã dentro das culturas indígenas e naquela população que tem alguma ligação com os indígenas. Hoje estamos convencidos que a evangelização tem de passar pelo diálogo inter-religioso, com a espiritualidade específica daqueles povos, e ecuménico, pois estão presentes outras confissões cristãs», referiu.
 
Soberania da Amazónia pelo governo brasileiro é «intocável» para a Igreja
Questionado sobre a polémica que tem acompanhado o documento de trabalho, o cardeal Hummes foi claro ao explicar que o «documento não é do Sínodo, é para o Sínodo, é a voz da igreja local, a voz da terra». «A Igreja quis escutar, convidou-os a falar, eles falaram, e se o fez é porque quer escutar seriamente, este é o caminho sinodal», explicou, criticando quem acha que o documento não é representativo da opinião de toda a igreja na Amazónia. «No Brasil dizia que, quando se veem pesquisas sociais das instituições profissionais que fazem essa pesquisa, eles ouviram 3 mil pessoas no Brasil inteiro. É uma boa amostra, e portanto deve ter peso de verdade. Nós ouvimos 80 mil pessoas, não 2 ou 3 mil, e eu digo que isto tem valor. Dizer que não temos dados… nós ouvimos 80 mil pessoas, e é a voz da Igreja, das pessoas e de quem se queria manifestar sobre este tema».
 
Explicando que é natural haver posições diferentes sobre várias matérias, o D. Cláudio Hummes exortou a que, no final, a Igreja fale só a uma voz. «No final do Sínodo, esperamos que todos estejamos juntos com Pedro e sobre Pedro, mesmo os que hoje manifestam opiniões diferentes», pediu.
 
Uma das principais preocupações e polémicas tem a ver com a possibilidade avançada de se poderem ordenar homens casados. Sobre isso, o cardeal explicou que a falta de outros recursos leva a que se aposte nas bases da evangelização, nas quais o cardeal destaca a eucaristia. «Muito poucos têm a celebração da eucaristia, e a eucaristia edifica a Igreja, e faz falta. Isso vem de muito longe, por falta de ministros ordenados que possam celebrar, pelo que temos de procurar caminhos novos para levar a eucaristia à vida das nossas comunidades», defendeu.
 
Sobre as mulheres e o papel das mesmas na igreja amazónica, o cardeal explicou que «coragem não falta para abordar essa questão». «Devemos estar atentos ao Espírito Santo, que nos diz que devemos estar atentos à voz das pessoas e da terra. O Instrumentum laboris salienta o trabalho excecional das mulheres, que em muitas comunidades são as líderes. Elas estão ali e pedem que seja reconhecido isto, que a Igreja reconheça este trabalho, que tem muitos custos, às vezes da própria vida. Que seja reconhecido e, de alguma forma, mais institucionalizado este trabalho que elas fazem, para que tenham mais autoridade no seu trabalho», sugeriu.
 
Quanto à questão dos conflitos com o governo brasileiro, que reclama para si a soberania da Amazónia, o Cardeal Hummes foi perentório a esclarecer que «a soberania é intocável», mas não deixou de dizer que isso não invalida que outros não possam dar as suas opiniões, principalmente a Igreja, que «está lá» e tem uma «experiência real das necessidades».
 
O Sínodo inicia domingo, dia 6 de outubro, com uma eucaristia presidida pelo Papa Francisco na Basílica de S. Pedro, pelas 10h, e termina dia 27 de outubro, lá no Vaticano.
 
Texto: Ricardo Perna
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