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Sínodo: «Proposta de Documento Final era bastante eurocêntrica»
26.10.2018
O cardeal de Cabo Verde, D. Arlindo Furtado, disse hoje à Família Cristã que a primeira proposta de Documento Final do Sínodo dos Jovens, apresentada terça-feira aos participantes, é bastante centrada na realidade europeia, um pouco à semelhança do que têm vindo a lamentar-se alguns bispos que estão a participar nos trabalhos do Sínodo.


No entanto, D. Arlindo Furtado tem «esperança» que a versão final seja mais «universal». «Tenho essa esperança em virtude dos contributos que foram dados, e naturalmente espero bem que sim. Os princípios não serão igualmente válidos para todas as regiões, mas haverá uma mensagem boa, sobretudo esta abertura da Igreja para uma Igreja mais simples, sóbria, família, mais envolvente, mais inclusiva, mais dinâmica, mais alegre e esperançosa», afirma.
 
Para isso muito terão contribuído as intervenções de quarta-feira na aula sinodal e as propostas de alterações feitas por muitos dos participantes. «Houve propostas de muitos bispos, nem todos puderam falar porque não deu tempo para tudo, houve muitas intervenções, e todos tentaram apresentar um contributo para que o documento reflita aquilo que se passou no Sínodo de uma forma mais universal e também que tenha esse espírito de abertura a diversas situações que foram espelhadas da parte dos participantes dos diversos continentes», explica o cardeal de Cabo Verde.
 
Sobre os trabalhos sinodais, D. Arlindo fala de uma experiência de «Pentecostes». «Alguém, falando do Sínodo, comparou-a à experiência de Pentecostes. De facto, tem sido uma experiência muito diversificada. A unidade da Igreja na múltipla diversidade de línguas, culturas, povos, cores, mas também em espírito de Igreja e grande comunhão. Tem sido uma experiência muito boa», refere.
 
«Neste Sínodo», acrescenta o cardeal, «alargou-se mais o horizonte da compreensão da terminologia do Sínodo que se estende a todos os níveis da Igreja, desde a base: os jovens, as famílias, todos os fiéis, com os bispos e o Santo Padre somos uma só Igreja e uma só família onde tudo deve ter vez e voz», defende.
 
Esta dinâmica sinodal, que tem sido muito elogiada por todos os participantes, que tem envolvido os jovens, é, na opinião do cardeal cabo-verdiano, a resposta que a Igreja precisava. «Se a Igreja quer continuar a ser uma Igreja dinâmica, viva, tem de usar todas as forças e recursos, e um dos principais recursos são os jovens. Devem ser preparados, fazer a experiência de Jesus Cristo, assumir a paixão por Jesus Cristo, aquecer o seu coração, mediante a Palavra e a presença de Jesus Cristo como os discípulos de Emaús, que foi a imagem deste Sínodo», refere.
 
Pastores na Europa deixaram de ter o «cheiro do rebanho»
Sobre a experiência de Cabo Verde, um país com uma população muito jovem e com as igrejas cheias de juventude, que veio para o Sínodo pelo seu testemunho, D. Arlindo Furtado afirma que foi o «afastamento» dos pastores que levou a este «abandono». «Muitas vezes os pastores, com a preocupação com a classe operária, com a diminuição de vocações, com uma vida organizada de uma forma mais individualista, mais privada, afastaram-se um bocadinho do rebanho, aquilo que o Papa chama hoje sentir o cheiro do rebanho. Esse afastamento do povo simples, do povo no seu dia a dia, levou muito ao afastamento dos jovens em relação à Igreja e à sua participação», sustenta.
 
Razão pela qual é preciso investir na «energia e criatividade dos jovens». «Isto será um chamariz para outros jovens e com certeza vai ajudar os outros a perseverarem nessa dinâmica de socialização e confraternização de experiência espiritual, de contribuírem para o crescimento do reino de Deus», argumenta, acrescentando que começam a haver movimentos «juvenis e familiares» na Europa que «vão conseguindo integrar os jovens» que, mais cedo ou mais tarde, vão procurar algo mais para as suas vidas. «A vida sem Deus, uma vida muito individualizada e virtual, acaba por criar em qualquer pessoa um certo vazio e um desejo de mais e melhor. Quando os jovens começarem a dar testemunho de que é possível encontrar um caminho complementar para equilibrar a vida, poderão ser bem acolhidos e aceites em nome de Jesus, porque também o Espírito Santo, que quer viver no coração de todos e ver todos felizes, atua no coração das pessoas, levando-as a procurar alternativas para levar uma vida de melhor qualidade em termos de relacionamento humano e enriquecimento interior e espiritual», acredita o cardeal.

 
Mesmo que, defende, nem todos vivam a fé da mesma maneira, «respeitando aquilo que o Papa chama de gradualidade». «Nem todos podem viver a 100% o Evangelho? Uns vivem a 10%, outros a 20%, outros a 50%, em termos análogos, mas cada um faz a sua parte, e o faça, o muito ou o pouco que pode fazer, com a graça de Deus e que todos juntos possamos fazer o melhor possível e levar a cabo a missão que lhe foi confiada», afirma.
 
Sobre os frutos do Sínodo, D. Arlindo Furtado defende que este Sínodo «pretende sobretudo desencadear um processo que terá uma continuidade em diversas comunidades regionais e locais». «Esta abertura de espírito é importante para envolver as pessoas na discussão de situações, na procura de soluções, de caminhos que sejam válidos para a maioria, para que se atinja o objetivo comum que é dar melhor qualidade, testemunho de vida do Evangelho, da parte da Igreja, e cumprir a missão de levar o Evangelho a todos sem exceção», diz.
 
Ao nível local, espera, é preciso que os jovens sejam aproveitados naquilo que de melhor têm para oferecer. «Os jovens, para certos ambientes e certas questões, têm uma preparação naturalmente melhor que os adultos. O mundo digital, por exemplo, e a presença em ambientes juvenis, são os jovens que podem fazer. Isto é uma questão de sabedoria e bom senso que, de facto, é a principal lição que levamos para todos», conclui.
 
Amanhã, sábado, será apresentado e votado o Documento Final e uma Carta aos Jovens, que os participantes do Sínodo decidiram elaborar. Uma vez que o Documento Final será mais dirigido aos sacerdotes, bispos e responsáveis de movimentos, os participantes fizeram questão de endereçar uma mensagem também aos jovens, e essa carta será também aprovada e, pensamos, disponibilizada também amanhã.
 
Cada um dos pontos do Documento Final será lido e votado individualmente na aula sinodal, uma tarefa que deverá ocupar toda a manhã e a tarde. No final, o documento será apresentado a todos. Não se conhece ainda a intenção do Papa Francisco, mas são muitos os que vão dizendo que, se o Papa ficar satisfeito com o Documento Final, poderá declará-lo como Magistério da Igreja e não escrever ele próprio uma exortação ou outro documento, como aconteceu no último sínodo sobre a Família.

A reportagem no Sínodo dos Bispos é realizada em parceria para a Agência Ecclesia, Família Cristã, Flor de Lis, Rádio Renascença e Voz da Verdade, com o apoio da Fundação Ajuda à Igreja que Sofre.
 
Texto e fotos: Ricardo Perna
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