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Submissão «não significa subserviência, mas o dar prioridade aos outros»
25.08.2021
A segunda leitura do passado domingo, XXI Domingo do Tempo Comum, tem gerado polémica nas redes sociais e até provocou artigos de opinião e artigos de jornais questionando a transmissão da Eucaristia pelo serviço público de televisão. A controvérsia e debate em torno da Epístola do Apóstolo São Paulo aos Efésios (5,21-32) levou a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) a publicar na sua página na internet uma nota de esclarecimento intitulada «A propósito da leitura de São Paulo sobre as mulheres».

Foto de Arquivo

A nota começa por citar a primeira parte da leitura, que nesta notícia também transcrevemos para contextualizar a polémica: «Sede submissos uns aos outros no temor de Cristo. As mulheres submetam-se aos maridos como ao Senhor, porque o marido é a cabeça da mulher, como Cristo é a cabeça da Igreja, seu Corpo, do qual é o Salvador. Ora, como a Igreja se submete a Cristo, assim também as mulheres se devem submeter em tudo aos maridos. Maridos, amai as vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e Se entregou por ela… Assim devem os maridos amar as suas mulheres, como os seus corpos. Quem ama a sua mulher ama-se a si mesmo. Ninguém, de facto, odiou jamais o seu corpo, antes o alimenta e lhe presta cuidados, como Cristo à Igreja; porque nós somos membros do seu Corpo. Por isso, o homem deixará pai e mãe, para se unir à sua mulher, e serão dois numa só carne. É grande este mistério, digo-o em relação a Cristo e à Igreja.» 

Reconhecendo que estas linhas foram «lidas no contexto vivo e atual das perspetivas preocupantes da situação das mulheres no Afeganistão», a Conferência Episcopal Portuguesa diz que «é preciso olhar o texto na sua inteireza, para se dar conta do seu sentido no próprio contexto». 



A CEP lembra que «Paulo se situa no contexto legal do direito familiar romano, que concedia melhores direitos às mulheres do que a maioria das culturas da época, mas que não deixava de pôr em relevo o papel do marido como “pater familias – pai de família”, como titular da família no seu conjunto e garantia dos direitos e deveres de cada um e o seu funcionamento relacional e social. Este quadro permaneceu nas gerações sucessivas, concretamente no direito português, até há pouco tempo. Paulo não põe em causa o direito romano, mas dá-lhe uma interpretação nova, à luz de Cristo, “Cabeça da Igreja, que é o seu Corpo”, que Ele ama até dar por ela a vida».

Os bispos portugueses vão à palavra submissão que causa «"escândalo”, nos dias de hoje», mas que São Paulo defende ser aplicada a todos: «Em Paulo, esta submissão não significa menor importância ou subserviência, mas o dar prioridade aos outros, como forma de atenção e cuidado; não centrar a vida e o pensar em si próprio, mas no amor que deve regular todo o relacionamento entre pessoas.»  Falando da família, a CEP explica que São Paulo afirma que se deve dar «o devido cuidado e prioridade (submeta-se) à relação familiar que tem como representante social o marido, na sua relação com a esposa». Além disso, «o “amor” e a “submissão” não se aplicam apenas a um dos esposos, mas são a lei básica do relacionamento humano, segundo o Evangelho: “Saberão todos que sois meus discípulos se vos amardes uns aos outros.” Em segundo lugar, a medida do amor é reportada a Cristo, que “amou a Igreja e Se entregou por ela”». Escreve a CEP, na nota de esclarecimento, que, tomando como exemplo Jesus, «não se trata de mandar submeter ou depreciar ninguém, mas de cuidar e dar prioridade no dom e no serviço do dia a dia. Na perspetiva de Jesus, bem presente em Paulo, a liderança é serviço e dom de si mesmo, pois Ele veio “não para ser servido, mas para servir e dar a vida”. O verdadeiro exemplo e medida de submissão e de serviço, como dom e amor, é o próprio Jesus, para os esposos e para qualquer outro membro da família e da Igreja».

Respondendo a quem questiona como, nos dias de hoje ainda se leem estes textos, a Conferência Episcopal diz que «os textos não se mudam, mas educam-se os leitores a entendê-los e a atualizá-los». E dá um exemplo: «não se mudam os versos épicos de Camões, porque não correspondem à mentalidade atual e até, em alguns casos, podem causar escândalo. Isso seria cair na arbitrariedade e na ditadura das modas e na imposição da cultura única. É por isso que se estuda Camões nas escolas, para que todos tenham acesso à beleza dos seus versos, dentro dos condicionalismos da sua época».

Os bispos afirmam que «a Palavra de Deus permanece viva e atual e é importante que seja escutada sempre com a sua sonoridade original». «O próprio Jesus deu o exemplo de leitura ao relê-la e reinterpretá-la à luz da nova realidade que era Ele próprio e a situação daqueles a quem se dirigia. Conservar a Palavra de Deus e a Tradição é continuar a fazê-las soar em assembleias vivas, como as pautas de música dos grandes autores, constantemente atuais, porque continuam a alegrar corações, a criar sonhos e a gerar estéticas novas, cada vez que se executam», pode ler-se na nota de esclarecimento.
Texto: Cláudia Sebastião

 
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