06.11.2022
Estamos num momento difícil. A Terra dá-nos sinais evidentes de que não a temos tratado bem. A seca que vivemos em Portugal e noutros países na Europa é mais um sinal de que o clima está a mudar. Apesar dos apelos, vemos mais floresta a ser destruída que plantada. A ânsia na exploração de recursos, mesmo permitindo muitos deles reduzir o impacte no planeta ao permitir-nos construir painéis fotovoltaicos ou baterias para veículos elétricos, traduzem-se em custos ambientais e sociais elevados. A acrescentar a tudo isto, entre os dezassete objetivos para o desenvolvimento sustentável aprovados por todos os países nas Nações Unidas em 2015, um fundamental, que é a paz, está ainda mais em causa com a guerra na Ucrânia. Vale a pena centrarmo-nos em três destas crises de longo prazo que já nos afetam e cujas consequências têm uma dimensão em termos de tempo e de impactes incomparavelmente superiores a uma outra crise recente, a crise pandémica, onde foi possível uma resposta mobilizadora e imediata: a crise climática, provavelmente o mais desafio que a Humanidade enfrenta neste século, a crise da biodiversidade, com a enorme perda de espécies que enfrentamos, e a crise dos recursos, quando a nossa pegada ecológica está muito acima daquilo que a natureza renova todos os anos.
O clima está a mudar e as evidências acumulam-se. Dados recentes apontam para a perda de gelo na Gronelândia que em 2019 constituiu um novo recorde, 15% acima do anterior. O ano de 2020 foi o mais quente desde que há registos, igualando 2016. 2021 viria a ser o sexto ano mais quente.
A biodiversidade é tradicionalmente definida como a variedade de vida na Terra em todas as suas formas. Compreende o número de espécies, a sua variação genética e a interação dessas formas de vida em ecossistemas complexos. Num relatório das Nações Unidas publicado em 2019, os cientistas alertaram que um milhão de espécies – de um total estimado de oito milhões – estão ameaçadas de extinção, muitas já nas próximas décadas. Alguns cientistas até consideram que estamos no meio do sexto evento de extinção em massa na história da Terra. As extinções em massa anteriormente conhecidas eliminaram entre 60% e 95% do total das espécies. Ecossistemas saudáveis fornecem-nos muitos elementos essenciais que consideramos naturais. As plantas convertem a energia do sol, disponibilizando-a para outras formas de vida. As bactérias e outros organismos vivos decompõem a matéria orgânica em nutrientes que fornecem às plantas um solo saudável para o seu crescimento. Os polinizadores são essenciais na reprodução das plantas, garantindo a nossa produção alimentar. As plantas e os oceanos atuam como grandes sumidouros de carbono.
No que respeita aos recursos, com base no cálculo da pegada ecológica efetuado pela Global Footprint Network, todos os anos é apresentada uma estimativa sobre o dia em que a Humanidade atinge o limite do uso sustentável de recursos naturais disponíveis para esse ano, ou seja, o orçamento natural, habitualmente designado como Overshoot Day (Dia de Sobrecarga da Terra). Em 2022, o dia em causa foi 28 de julho, um dia mais cedo do que em 2021, sendo que a tendência tem sido a de acionar o cartão de crédito ambiental cada vez mais cedo, não obstante todo o discurso político e público sobre economia circular e neutralidade carbónica. Portugal é um contribuinte ativo para esta situação, uma vez que, se todos os países tivessem a mesma pegada ecológica que o nosso, seriam necessários 2,5 planetas.
O consumo de alimentos (32% da pegada global do país) e a mobilidade (18%) encontram-se entre as atividades humanas diárias que mais contribuem para a pegada ecológica de Portugal e constituem assim pontos críticos onde temos de intervir. Atualmente, considerando a média mundial, estamos a consumir cerca de 1,75 planetas com a nossa voracidade de produção e consumo. O overshoot (ou sobrecarga) só é possível porque estamos a esgotar o capital natural da Terra, o que põe em causa o futuro da Humanidade. Desta sobre-exploração resulta, por exemplo, a desflorestação, a erosão do solo, a perda da biodiversidade ou o aumento dos níveis de carbono na atmosfera, que nos conduzem de forma muito perigosa para as alterações climáticas.
Como gostaríamos que fosse o nosso mundo? Os «cinco P» dos objetivos para o desenvolvimento sustentável apontam-nos o caminho: um mundo cem por cento dedicado à felicidade das Pessoas, vivendo com Prosperidade, onde seja possível garantir a Paz, com um respeito integral pelo Planeta, construindo-o através de múltiplas Parcerias.
Com uma população crescente, onde no ano de 2010 se estimava que precisávamos de mais meio planeta, isto é, metade dos recursos que estávamos a utilizar não estavam a conseguir ser regenerados pelo planeta, é fundamental pensarmos ou insistirmos num novo paradigma para uma sociedade em crise ecológica.
Em 2015, o Acordo de Paris das Nações Unidas sobre o clima estabeleceu uma visão de longo prazo para, à escala do planeta, assegurar um balanço neutro de carbono. Isto é, o carbono que retiramos da atmosfera, nomeadamente através das florestas, ser igual às emissões de gases resultantes das atividades humanas. Temos de pensar num mundo com perto de 100% da energia proveniente de fontes renováveis, onde o uso dos recursos deverá ser 100% suficiente. É, assim, fundamental traçarmos um caminho para um futuro onde esses sejam os objetivos a atingir à escala nacional, europeia e planetária. O facto de Portugal ter assumido este objetivo para 2050, e até o poder vir a antecipar, tem necessariamente de ser integrado como um dos eixos principais da sustentabilidade ambiental da sociedade, do Estado e das empresas, em conjugação com outras áreas e de forma integrada. Este enorme desafio que temos pela frente toca em áreas que vão desde o desenvolvimento tecnológico, a mudança de comportamentos, os objetivos de realização individual e coletiva, o ordenamento do território à dinâmica das cidades. O ensinamento das últimas décadas mostra-nos que, nestas áreas, as decisões têm um impacte que apenas se torna claramente visível no sistema passados dez ou quinze anos da decisão política.
O Papa Francisco, na encíclica Laudato Si’, de 2015, fez o diagnóstico, identificou angústias, refletiu sobre a relação da fé com a ecologia e fez propostas, quer à escala da sociedade e das nações, quer diretamente à ação individual. O Papa alertou para a necessidade de uma verdadeira «revolução cultural», para uma «ecologia integral» que traduza uma saudável relação entre a natureza e a sociedade que a habita, mencionando que «também o estado de saúde das instituições de uma sociedade tem consequências no ambiente e na qualidade de vida humana». Precisamos de construir sociedades sustentáveis onde os estilos de vida e os objetivos em causa não sejam um consumismo exacerbado que alimenta uma ilusão de felicidade. A encíclica é uma oportunidade e um desafio que a Igreja e cada um de nós não pode nem deve esquecer facilmente, porque a vida de todos exige discutir caminhos mais sóbrios, pequenos gestos que façam a diferença, e «uma consciência de comunhão com todas as criaturas». É neste caminhar que devemos aprender e divulgar as boas práticas para garantir uma melhor qualidade de vida às gerações vindouras. Temos de fazer parte deste caminho de ação e de esperança rumo à sustentabilidade, passando à geração seguinte uma herança menos pesada, assegurando um país e um mundo mais resiliente para todos.