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«Um mundo forrado de algodão»
28.11.2015
Uma redoma de vidro mantém as crianças “a salvo” dos perigos e dos joelhos esfolados. Mas também das pessoas. Imunes aos sons, aos cheiros, ao toque, às diferenças. Uma redoma de vidro mantém os pais “descansados” no seu papel de protetores, mas apenas durante o tempo em que ela se mantiver fechada. No momento de a retirar ter-se-ão verdadeiramente poupado lágrimas e dores? Saberá caminhar na calçada quem até ali pôde andar descalço num chão que não magoou os pés? Conseguirá voar quem só precisou de criar raízes? Saberá proteger quem só foi protegido? Estará preparado para viver no mundo quem viveu num castelo?

De acordo com um estudo internacional (Children’s Independent Mobility – An International Comparison), no qual Portugal – através da Faculdade de Motricidade Humana – participou, as crianças portuguesas são, a par das italianas, das que têm menos autonomia e as que têm os pais mais superprotetores, num conjunto de 16 países analisados, apenas seguidas das sul-africanas. Principalmente na faixa dos 8 aos 11, não andam sozinhas na rua, não estão habituadas a atravessar estradas, deslocam-se habitualmente de carro, etc. Têm, portanto, pais e famílias que vivem muito em função delas, dos seus horários, das suas atividades, ainda que muitas vezes com pouco tempo disponível para estar com elas.

Estes resultados suscitaram questões e “receios” verbalizados por alguns especialistas na área no que diz respeito ao desenvolvimento motor, à autonomia, maturidade e independência, ao empreendedorismo (ou falta dele), mas também relativamente ao desenvolvimento de competências sociais e emocionais.

Uma declaração da psicóloga Rita Jonet ao jornal i sobre as conclusões deste estudo levou-nos a questionar se, para além de todas estas consequências, a superproteção teria também influência no grau de tolerância destes futuros adultos. «São crianças que vivem num mundo tão pequeno que por vezes, quando vamos a uma visita de estudo, sinto que se veem alguém mais diferente têm uma reação pouco natural, olham mais de lado», declarou ao diário (edição online de 12/09/2015).
“Tolerar” significa (de acordo com o dicionário online Infopédia) «aceitar e conviver com a diferença de ideias, de comportamentos sem se sentir ameaçado», «suportar (coisa desagradável)» e, ainda, «aceitar, admitir ou consentir (algo com que não se concorda)». A estes acrescenta-se o de “tolerância” que, entre outros, significa «disposição ou tendência para perdoar erros ou falhas».
Se tivermos em atenção estes significados latos, então pode encontrar-se relação entre superproteção e intolerância, concorda Rita Jonet. As crianças «habituam-se pouco a andar na rua, a ter contacto com pessoas, com crianças diferentes, e isso claro que influencia a capacidade de se adaptarem a situações novas e imprevisíveis».

Se não se confrontam com as pessoas, com os problemas, com as situações, o mundo permanece-lhes desconhecido e isso gera medo, o tal sentimento de ameaça. «Como são crianças que vivem em mundos muito protegidos, em que estão demasiado numa redoma, ficam intolerantes porque lidam mal com a frustração. Tudo o que é diferente lhes causa medo e eles mais se fecham sobre si próprios… e cria-se este ciclo que os prepara pouco para pessoas diferentes, para mundos diferentes, para algo que saia fora da rotina e do quotidiano», continua a psicóloga, que no seu local de trabalho (colégio O Nosso Jardim) tem oportunidade de presenciar alguns episódios em que estes dois aspetos se relacionam.

Como psicóloga que é, não gosta de generalizar e ressalva que estas observações não são iguais para todas as crianças, nem para todas as famílias e que mesmo com um contexto semelhante, há famílias que conseguem encontrar meios para trabalhar a tolerância, ainda que dentro da redoma.
Texto: Rita Bruno
Foto: pt.freeimages.com
 
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