A partir de domingo, várias dezenas de participantes oriundos maioritariamente do “pulmão do mundo”, a Amazónia, juntam-se ao Papa Francisco e a uma lista de especialistas e religiosos para debateram o futuro da evangelização, e não só, naquela região do globo.
São 292 participantes, entre os quais dos nove países que compõem esta região do mundo: 4 das Antilhas, 12 da Bolívia, 58 do Brasil, 15 da Colômbia, 7 do Equador, 11 do Peru e 7 da Venezuela. Além disso, há 13 chefes de Dicastérios da Cúria Romana, 33 membros nomeados diretamente pelo Papa, 15 eleitos pela União dos Superiores Gerais, 19 membros do Conselho Pré-sinodal, 25 especialistas, 55 auditores e auditoras, 6 delegados fraternos e 12 convidados especiais. Uma lista bem grande para debater os problemas que assolam aquela região, e que estão no coração do Papa Francisco, tendo motivado a convocação desta reunião no Vaticano.
Durante mais de 20 dias, os participantes irão trabalhar sobre o
Instrumentum laboris, o documento de trabalho que surgiu a partir da escuta de milhares de pessoas na região amazónica e do trabalho da comissão preparatória, por forma a entender quais as mudanças de práticas/abordagem mais adequadas para ir ao encontro das expetativas das populações. «O documento não é do Sínodo, é para o Sínodo, é a voz da igreja local, a voz da terra. A Igreja quis escutar, convidou-os a falar, eles falaram, e se o fez é porque quer escutar seriamente», defendeu o cardeal Cláudio Hummes, relator-geral do Sínodo e um dos grandes impulsionadores do evento que inicia domingo, na conferência de imprensa de apresentação do sínodo.
Tratando-se de uma Assembleia Especial, a metodologia em relação aos Sínodos precedentes foi parcialmente renovada, conforme explicou o sub-secretário do Sínodo dos Bispos, D. Fabio Fabene. «O secretário-geral abrirá os trabalhos ilustrando o percurso sinodal. Depois, o relator apresentará os conteúdos que emergiram da fase preparatória e traçará os argumentos principais para a discussão na Sala e nos círculos menores. As intervenções na Sala terão a duração de quatro minutos. E, nos dias de congregações gerais, haverá um tempo no final para pronunciamentos livres dos padres sinodais.
A comunicação do Sínodo será confiada ao Dicastério para a Comunicação. Diariamente, serão realizados briefings com a participação dos padres sinodais e de outros participantes. Está ativa a mesma hashtag #SinodoAmazonico para todas as línguas para uma informação mais adequada sobre o Sínodo.
Temas polémicos em debate
A primeira dúvida que assolou a cabeça de todos quantos criticaram o documento de trabalho foi o alcance das decisões tomadas no Sínodo. Se, por um lado se fala que a região amazónica é tao singular que é impossível alargar as decisões tomadas considerando aquela realidade cultural, outros consideram que o que se decidir ali se pode aplicar a toda a Igreja. Quanto a isso, a Ir. Irene Lopes, secretária-exxecutiva da REPAM (Rede Pan-Amazónica), uma das organizações envolvidas na preparação do evento, que foi a única mulher presente na comissão preparatória do sínodo, não tem dúvidas. «O Sínodo para a Amazónia é da Igreja e para a Igreja. O olhar é pan-amazónico, mas as consequências são para toda a Igreja. O lugar geográfico escolhido pelo Papa Francisco não limita o resultado do Sínodo. Pelo contrário, potencializa as ações», revelou, em entrevista à Família Cristã.
A questão da mulher é, aliás, outro dos campos em disputa. O papel das mulheres, a possibilidade da criação de novos ministérios que tragam uma autoridade mais formal às mulheres nas comunidades em que elas já são líderes, a questão das diaconisas ou até da ordenação sacerdotal (com menor expressão, pois o Papa já se pronunciou formalmente sobre isso) poderão e deverão ser levantadas durante o encontro.
Outro dos problemas, assumido por D. Claudio Hummes na conferência de imprensa e conhecido de todos quantos conhecem a realidade amazónica, tem a ver com a incapacidade da igreja local conseguir chegar a todas as comunidades, principalmente as comunidades indígenas isoladas em pequenas aldeias.
Uma fonte contactada pela Família Cristã revela que há comunidades que só têm eucaristia e confissões uma vez por ano, quando o sacerdote consegue lá chegar, depois de dias de viagem. Há um problema de evangelização e ainda um problema de «concorrência evangélica», confidenciou à Família Cristã a mesma fonte, que confirmou que, em muitas zonas, as comunidades evangélicas, que não têm a questão do celibato sacerdotal, estão a conseguir chegar e criar comunidades, “ganhando” fiéis à Igreja Católica. Não sendo os números o objetivo, a preocupação existe, contudo. E é por isso que muitos levantam a hipótese de ordenar homens casados, anciãos das comunidades isoladas, que possam assumir o papel dos sacerdotes, ainda que num regime de dependência dos sacerdotes celibatários, uma hipótese que, não indo contra a doutrina, encontra muitos opositores fora da realidade amazónica.
Mas não é apenas a questão do acesso aos sacramentos. Há séculos que se fala muito sobre a inculturação e a incapacidade da Igreja de, em determinadas comunidades ou perante determinadas culturas, ter mais a tentação de tentar sobrepor a fé católica e a cultura ocidental, em vez se procurar integrar na cultura existente. Agora esse "pecado" é assumido pela Igreja, que «percebe a necessidade de inculturar a fé cristã dentro das culturas indígenas e naquela população que tem alguma ligação com os indígenas», referiu o cardeal Hummes. «Hoje estamos convencidos que a evangelização tem de passar pelo diálogo inter religioso, com a espiritualidade específica daqueles povos, e ecuménico, pois estão presentes outras confissões cristãs», assegura, no que será um passo importante para a Igreja conseguir entrar em determinadas comunidades, mas um desafio pastoral enorme.
Depois, ninguém irá esquecer todas as questões políticas ligadas a este evento. O presidente brasileiro já expressou o seu incómodo com o sínodo, que entende com uma ingerência da Igreja num território que está sob alçada brasileira. O Vaticano confirmou, na conferência de imprensa de quinta-feira, que «a soberania [da Amazónia] é intocável» para a Igreja, mas adiantou, pela voz do Cardeal Hummes, que «a Igreja está lá, e nós reivindicamos isso, que temos uma experiência real das suas necessidades». «Tivemos uma grande assembleia dos bispos brasileiros da Amazónia, e reunimo-nos em Belém, onde fizemos uma declaração escrita onde afirmámos que a soberania é intocável. Não significa que o resto do mundo não tenha nada a ver sobre o caso, mas é o país que administra e deve estar aberto a ouvir os outros», disse aos jornalistas.
Do que sairá de prático ou de político, só se saberá no final, com o relatório final e com o pronunciamento do Papa, que deverá redigir uma exortação apostólica pós-sinodal, complementar da encíclica Laudato si, uma das razões para a existência deste Sínodo para a Amazónia.
Texto: Ricardo Perna
Continuar a ler