O Vaticano vai criar uma Plataforma de Ação Laudato si’, que pretende impulsionar a aplicação da encíclica dedicada ao “cuidado da casa comum”, publicada faz hoje, precisamente, seis anos. O anúncio público vai ser feito amanhã, terça-feira, em conferência de imprensa no Vaticano, no final da Semana
Laudato si', que encerra o ano dedicado à encíclica.

O próprio Papa Francisco referiu-se à criação da Plataforma neste domingo, na sua alocução do Regina Coeli. «É um caminho que devemos continuar juntos, ouvindo o clamor da Terra e dos pobres. Por isso, terá início imediatamente a Plataforma Laudato si’, um percurso operativo de sete anos, que guiará as famílias, as comunidades paroquiais e diocesanas, as escolas e as universidades, os hospitais, as empresas, os grupos, os movimentos, as organizações, os institutos religiosos a assumir um estilo de vida sustentável», afirmou, citado pelo portal Vatican News.
O lançamento será feito amanhã, mas a FAMÍLIA CRISTÃ e o jornal digital
7Margens estiveram em conversa exclusiva com o Pe. Joshtrom Isaac Kureethadam, coordenador do sector Ecologia e Criação no Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, do Vaticano. «A ideia da plataforma é termos paróquias
Laudato si’, ou dioceses
Laudato si’, um título que será uma espécie de certificação”, explica o sacerdote. O Pe. Joshtrom, salesiano, originário de «uma diocese que vem do tempo do apóstolo S. Tiago, da Igreja Assíria Cristã da Índia, e dos missionários portugueses», será um dos três intervenientes que, além do cardeal Peter Turkson, farão a apresentação da iniciativa na conferência de imprensa no Vaticano.
O Pe. Joshtrom, salesiano, indiano de Kerala, explica que será proposto um caminho de sete anos, cada um dos quais com um objetivo. No primeiro ano, dedicado ao «grito da terra», o tema prioritário é a energia; no segundo, sobre «o grito dos pobres», trata-se de «garantir que os pobres estão no centro da nossa viagem»; os anos seguintes propõem, sucessivamente, «mudar o paradigma da economia; mudar estilos de vida, fazer educação ecológica; promover a relação entre ecologia e espiritualidade; e fazer tudo isto como comunidade».
A adesão a este caminho de «conversão ecológica» será voluntária, e todos os anos poderá haver paróquias, dioceses, colégios ou outras estruturas a aderir ao processo, que durará os tais sete anos indicados. «Não é apenas propor objetivos, é propor um caminho de espiritualidade. Para cada um dos sete objetivos, encontrámos, com a ajuda de 91 pessoas que nos ajudaram a pensar nisto, uma lista de coisas a fazer», indica.
Para ajudar a empurrar esta plataforma, o Papa gravou já um vídeo que será apresentado com o lançamento da iniciativa. Para além disso, o próprio Cardeal Turkson irá «escrever uma carta a todas as dioceses, paróquias, a toda a gente, a explicar que o Papa Francisco fez este convite, para que possam aderir até dia 4 de outubro, no Dia de Oração pela Criação». Um portal de notícias e documentos, em nove línguas, está pronto também para ser colocado em linha, com o apoio de diversos grupos e instituições, entre as quais: Movimento Católico Global de Acção pelo Clima, Caritas Internationalis, CIDSE – Cooperação Internacional para o Desenvolvimento e Solidariedade, REPAM – Rede Eclesial Pan-Amazónica e várias congregações religiosas.
O trabalho (re)começa agora. E o primeiro ano será para planear muitas iniciativas. “A beleza disto é a rede internacional que se vai criar. As paróquias e dioceses vão aderir a esta grande rede e receber recursos e subsídios, mesmo com alguma ajuda financeira, principalmente para os países do Sul”, diz. “Talvez uma diocese de Portugal possa caminhar em conjunto com uma diocese do Brasil, ou da Índia. O mesmo para escolas, paróquias ou hospitais”, exemplifica. Mas, conclui, “importante é perceber onde é que as nossas igrejas estão e, se há muito caminho para fazer, começamos a fazer. Isto é um desafio e uma oportunidade.”
Uma «conversão ecológica de ação»
O Pe. Joshtrom Isaac diz que é preciso multiplicar iniciativas que concretizem o pensamento e as propostas da
Laudato si’, já que «na Europa andamos há muito tempo a falar do meio ambiente, de partidos ecológicos e muitas pessoas não estão por dentro dos conteúdos» da encíclica, afirma. «O Papa Francisco já disse várias vezes que é muito mais que isso, mas o problema mantém-se. Nós falamos na casa comum, mas nem sempre se entende isso na sua globalidade, e é algo que que deve ser trabalhado também».
Por vezes, admite, fala-se muito sobre o documento do Papa, mas pouco se concretiza: «Por isso é que marcámos este ano, para que fosse um ano de reflexão, mas também de ações concretas, especialmente nas periferias.» E dá exemplos de iniciativas já tomadas e que podem servir de referência: na diocese filipina de Maasin, «todas as paróquias utilizam fontes de energias renováveis»; na Índia, na província de onde o Pe. Johstrom é originário, na sequência de vários seminários temáticos, as 31 comunidades passaram a funcionar com energia solar, em apenas um ano.
Outro exemplo vem do Bangladesh: há cerca de um ano, a Conferência Episcopal propôs-se promover a plantação de mais de 400 mil árvores, tantas quantas o número de católicos que há no país. «Foi no âmbito deste ano
Laudato si’», explica o coordenador da Ecologia no dicastério vaticano. «Tínhamos proposto a plantação de jardins, mas eles queriam plantar três milhões de árvores, porque lhes foi dito que poderiam reduzir em um terço as alterações climáticas com essa plantação, e dar nova vida à biodiversidade e criar comunidade».
A dada altura, foi decidido que, depois do batismo de cada criança, se plantaria uma árvore, como se ficasse a criança de tomar conta dela… Agora, o objetivo já é de plantar 700 mil árvores, quase o dobro do previsto na decisão inicial.
As florestas são uma barreira natural contra tempestades e condições meteorológicas severas. Mas no Bangladesh, a desflorestação, impulsionada pelo abate ilegal de árvores, assentamento não regulamentado e limpeza de terras para a agricultura industrial – diminuiu esta proteção e mais de meio milhão de pessoas morreram no país por causa de ciclones desde 1970, recorda o National Catholic Reporter.
«E isto envolveu bispos, padres, catequistas, professores, crianças, todos… são os tais movimentos participativos que temos de dinamizar», diz o Pe. Joshtrom. «Alguns lugares do mundo fizeram caminho, mas ainda não suficiente. Por isso precisamos de elevar o nível de conversão ecológica à ação, não ficando apenas pela conversa, mas colocando as coisas em prática. Esse deve ser o nosso horizonte», conclui.
Texto: Ricardo Perna e António Marujo (7Margens)
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