O Vaticano publicou hoje um novo documento sobre o fim da vida, no qual reforça a oposição à eutanásia e suicídio assistido, responsabilizando políticos e instituições católicas que intervenham direta ou indiretamente nestas práticas. «A Igreja considera que deve reafirmar como ensinamento definitivo que a eutanásia é um crime contra a vida humana porque, com tal ato, o homem escolhe causar diretamente a morte de um outro ser humano inocente», assinala a Congregação para a Doutrina da Fé (Santa Sé), na carta intitulada ‘Samaritanus Bonus’ (O Bom Samaritano).

O documento, aprovado pelo Papa, reflete longo de 12 pontos sobre «o cuidado das pessoas nas fases críticas e terminais da vida», abordando questões ligadas ao testamento vital, obstinação terapêutica, estado vegetativo ou cuidados paliativos.
A Santa Sé realça o «valor permanente da dignidade humana», lamentando que muitos doentes sejam «considerados um peso para a sociedade». O cardeal Luis Francisco Ladaria Ferrer, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, em entrevista ao Vatican News, explica que, «embora o ensinamento da Igreja sobre o assunto já esteja contido em conhecidos documentos magisteriais, um novo pronunciamento orgânico da Santa Sé sobre o cuidado das pessoas nas fases críticas e terminais da vida pareceu oportuno e necessário em relação à situação atual, caracterizada por um conteúdo legislativo civil internacional cada vez mais permissivo sobre a eutanásia, o suicídio assistido e as disposições sobre o fim da vida».
O texto alerta para a perda da relação confiança entre médico e paciente «sobretudo nos países onde estão a ser aprovadas leis que legitimam formas de suicídio assistido e eutanásia voluntária». «Essas práticas negam os limites éticos e jurídicos da autodeterminação do sujeito doente, obscurecendo de maneira preocupante o valor da vida humana na doença, o sentido do sofrimento e o significado do tempo que precede a morte», pode ler-se.
O Vaticano lamenta a «falta de fé» e coloca-a, juntamente com o medo do sofrimento e da morte como «causas principais da tentativa de controlar e gerir a chegada da morte». «O único verdadeiro direito é o do doente em ser acompanhado e cuidado com humanidade. Só assim se preserva a sua dignidade até o sobrevir da morte natural», indica a Congregação para a Doutrina da Fé.
A Santa Sé destaca que a vida humana é «um dom sagrado e inviolável», pelo que «não se pode escolher diretamente atentar contra a vida de um ser humano», mesmo a seu pedido.
O novo documento dedica um dos seus 12 pontos ao «discernimento pastoral para quem pede eutanásia ou suicídio assistido», afirmando que quem tenha manifestado intenção de colocar fim à sua vida mostra «uma manifesta não-disposição para a receção dos sacramentos da Penitência, com a absolvição, e da Unção, assim como do Viático», a comunhão. «Poderá receber tais sacramentos no momento em que a sua disposição em dar passos concretos permita ao ministro concluir que o penitente modificou a sua decisão», e refere ainda que todos os que se tenham registado numa «associação para receber a eutanásia ou o suicídio assistido» devam «mostrar o propósito de anular tal inscrição antes de receber os sacramentos».
A carta ‘Samaritanus Bonus’ questiona a «desresponsabilização social» perante o sofrimento e a doença, considerando a eutanásia e o suicídio assistido como atos «intrinsecamente maus». O texto coloca em causa as leis que «atingem o fundamento da ordem jurídica», o direito à vida. «Valor da vida, autonomia, capacidade de decisão e qualidade de vida não estão no mesmo plano», indica a Congregação para a Doutrina da Fé.
O Vaticano realça que políticos e instituições católicas não podem ser «cúmplices» de leis e práticas ligadas à eutanásia, «um ato homicida que nenhum fim pode legitimar e que não tolera nenhuma forma de cumplicidade ou colaboração, ativa ou passiva».
O valor dos cuidados paliativos
A carta alerta ainda contra a obstinação terapêutica, convidando a “aceitar o limite da morte como parte da condição humana” e a uma “aliança terapêutica entre o médico e o doente, ligados pelo reconhecimento do valor transcendente da vida e do sentido místico do sofrimento”.
O Vaticano apela à afirmação dos cuidados paliativos como alternativa à eutanásia. «É prioritária a difusão de uma correta e capilar informação sobre a eficácia de autênticos cuidados paliativos para um acompanhamento digno da pessoa até à morte natural», assinala a Congregação para a Doutrina da Fé.
O texto considera os paliativos – incluindo assistência espiritual ao doente e aos seus familiares – como «a expressão mais autêntica da ação humana e cristã de cuidar», sustentando que estes cuidados diminuem «drasticamente o número de pessoas que pedem a eutanásia».
O cardeal Ladaria explica que «a Carta apela para uma experiência humana universal: aquela para a qual a questão sobre o sentido da vida se torna ainda mais aguda quando o sofrimento paira e a morte se aproxima». «O reconhecimento da fragilidade e vulnerabilidade da pessoa doente abre espaço para a ética do cuidado. Exercer a responsabilidade para com a pessoa doente significa garantir o seu cuidado até ao fim: “Curar se possível, cuidar sempre”, escreveu João Paulo II», explica o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.
O Vaticano defende a objeção de consciência por parte dos profissionais da saúde e das instituições sanitárias católicas perante leis que permitam a eutanásia ou o suicídio assistido, rejeitando «qualquer cooperação formal ou material imediata». Neste sentido, pede «uma tomada de posição clara e unitária por parte das Conferências Episcopais, das Igrejas locais, bem como das comunidades e das instituições católicas para tutelar o próprio direito à objeção de consciência». «Não é eticamente admissível uma colaboração institucional com outras estruturas hospitalares, direcionando a estas as pessoas que pedem a eutanásia», acrescenta a Santa Sé.
Texto: Ricardo Perna (com Agência Ecclesia e Vatican News)
Foto: Christina Newman | Unsplash
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