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Venezuela: A um passo do abismo
22.07.2016
O povo venezuelano vive a maior crise económica de que há memória. Enormes erros de governação, somados à conjuntura internacional desfavorável, já não permitem ao país escapar à penúria. A situação demorará muitos anos, senão décadas, a ser corrigida – mas ainda poderá ficar muito pior. Basta que a crise política não seja resolvida nos próximos meses.


Imagine que vive num país onde as prateleiras das lojas estão quase vazias e onde o pouco que há só pode ser comprado depois de passar horas em filas. Imagine que, nesse mesmo país, não há medicamentos essenciais à vida de muitos doentes e os hospitais não têm sabão, nem luvas cirúrgicas – e muito menos antibióticos. Imagine ainda que a falta de eletricidade é tão grande que a maior parte das casas ficam às escuras durante grande parte do dia e os funcionários públicos só trabalham dois dias por semana, para se poupar energia. Para os venezuelanos, nada disto precisa de ser imaginado. É o seu dia a dia há já muito tempo, e a tendência é para que piore.

Durante muitas décadas, a Venezuela foi um dos poucos exemplos na América Latina – senão mesmo o único – de um estado democrático funcional, onde as Forças Armadas se subordinavam ao poder político, e onde a evolução da economia parecia prometer um futuro risonho. Contudo, debaixo dessa aparente regularidade, a chaga da desigualdade social foi crescendo e provocando um descontentamento cada vez maior entre a população mais desfavorecida, descontentamento esse agravado pela falta de vontade das elites em atacar o problema.

Num país onde não há justiça social, é inevitável que se crie um antagonismo entre classes que, mais tarde ou mais cedo, resultará em convulsões políticas, ou mesmo em revolução. Foi isso o que se passou na Venezuela em 1992, quando Hugo Chávez liderou um golpe de Estado que, não obstante o seu fracasso, abriu o caminho para que ele chegasse à presidência sete anos depois, através do voto. Como todos os populistas, Chávez tinha uma retórica inflamada, mas ninguém o pode acusar de ser um líder só de palavras. Para ele, a solução para a Venezuela era a instauração de um novo regime político assente em princípios socialistas e marxistas, mas com uma especificidade local. A sua grande bandeira era o combate à pobreza e às desigualdades sociais, e foi o cumprimento de muitas das suas promessas nessa área que lhe deu o apoio firme de pelo menos metade do eleitorado até à sua morte.

Em 1999, quase metade dos venezuelanos viviam na pobreza; em 2013, quando Chávez morreu, esse número tinha sido reduzido para menos de um terço. As “missões” do novo regime levaram alimentos, saúde, educação, água, eletricidade e saneamento a milhões de pessoas que até aí estavam excluídas, ou quase, desses bens essenciais.
O problema é que tudo isso era pago quase exclusivamente com as receitas do petróleo, de que a Venezuela é um dos principais produtores mundiais. Nos primeiros anos do século, os preços estavam muito altos, o que significa que o dinheiro entrava a rodos nos cofres públicos. Chávez pôde assim pagar o seu ambicioso programa de reformas económicas e sociais, e ainda ajudar o regime comunista cubano e outros governos de esquerda da América do Sul.

Esse afluxo enorme de riqueza deveria ter sido aproveitado para criar uma economia mais diversificada e menos dependente do petróleo, mas para que isso acontecesse era necessário que houvesse colaboração entre o governo e a iniciativa privada. O que aconteceu, na realidade, foi exatamente o oposto disso.

Fiéis ao seu ideário marxista, Chávez e os seus colaboradores demonizaram os empresários e a iniciativa privada, e estes pagaram-lhes na mesma moeda. O governo escalou o confronto com expropriações e detenções arbitrárias, um fenómeno que foi alastrando nos últimos anos, de tal forma que, atualmente, os principais líderes da oposição venezuelana estão na cadeia.


Nos últimos anos de governo de Chávez já era bem visível que o seu modelo de desenvolvimento económico e social estava a empurrar o país para um beco sem saída, mas o controlo apertado da máquina estatal, o carisma do presidente e o largo apoio de que este desfrutava entre os mais pobres permitiram-lhe manter-se no poder, não obstante a enorme contestação de que era alvo.

Com a morte de Chávez, em 2013, e a ascensão de Nicolas Maduro à presidência, a Venezuela entrou numa espiral descendente que provavelmente culminará numa grande explosão social e política. A carga explosiva, como vimos, está colocada há muito tempo, mas o detonador é o preço do petróleo, que caiu para menos de metade daquele que se registava no início de 2014.

Como o país produz muito pouco daquilo que consome, a população já está a viver numa “economia de guerra”, com racionamento, mercado negro e tudo o que de mau isso implica.
Nesta situação de emergência nacional, em que o próprio funcionamento das instituições e da sociedade está ameaçado, o bom senso ditaria que governo e oposição se entendessem, mas o que está a acontecer é exatamente o oposto. Depois de a oposição ter ganhado as últimas eleições para a Assembleia Nacional, Nicolas Maduro apressou-se a anunciar que este órgão «desaparecerá em breve».
Em suma: uma enorme tragédia está à porta.
 
Os portugueses
A comunidade portuguesa na Venezuela é muito numerosa (cerca de meio milhão de pessoas) e tem um papel importante na economia do país, uma vez que a sua principal atividade é o comércio de produtos alimentares.
Isto significa que os imigrantes portugueses e os seus descendentes têm sido muito afetados pelas dificuldades no abastecimento e pelos controlos de preços que visam combater essas falhas à custa da rentabilidade da atividade privada. Além disso, têm sido também vítimas da criminalidade, que é uma das mais altas do Mundo.
Perante este cenário, não é de admirar que se fale cada vez mais da possibilidade de haver um êxodo em direção a Portugal, algo que já aconteceu no início dos anos 90, quando a Venezuela viveu a sua última grande crise.

Texto publicado integralmente na revista Família Cristã de julho/agosto 2016.
Texto: Rolando Santos
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